30.10.06

Um enxame de rotundas


Que me recorde: S. João da Madeira, Viseu, Mealhada. Locais aprazíveis, pequenas cidades que não têm os vícios das grandes urbes. A proliferação de rotundas é uma mácula. Dizem os técnicos de urbanismo: é para controlar o trânsito. Portanto, o trânsito deve ser caótico, como nas cidades populosas onde qualquer trajecto de meia dúzia de quilómetros à hora de ponta é um teste à paciência humana.

As rotundas devem ter qualquer utilidade. Quando são construídas, a utilidade percebe-se com nitidez: empregam gente que de outro modo estaria a viver à sombra do subsídio de desemprego; e dão empreitada a empresas de construção civil, que não fazem pressão para a adjudicação de obra pública. Para além destes sinais frágeis de utilidade das rotundas (e mesmo assim concentrada nos poucos que beneficiam da empreitada – juntando ao autarca que ostenta as rotundas como obra emblemática da sua passagem pelo leme do município), não consigo perceber as suas vantagens. Regulam o trânsito? Pelo contrário, empatam-no. Quem viaja em vias que dantes tinham prioridade é forçado a ceder a passagem aos que circulam dentro das rotundas. Estradas nacionais que já tinham a sua quota de trânsito ficaram ainda mais lentas, mercê dos congestionamentos provocados pelas rotundas. Está visto que as rotundas desregulam o tráfego rodoviário.
Pode haver uma benesse escondida. As rotundas são o protótipo do “dois em um” nos manuais das obras públicas. A rotunda esventra o asfalto, desvia a estrada para um lado e para o outro da artificial barriga que lhe impõem. Para não ficar um lugarejo despido de merecimento visual, a rotunda abre os braços a fontes. Que é como quem diz, para a piroseira militante dos senhores autarcas e assessores que, com a sua febril e anti-estética imaginação, transfiguram a paisagem destas pequenas cidades.
Não bastasse desfear as localidades que outrora foram pitorescos pontos de passagem, pesa o fardo económico. A obra é cara, a sua manutenção também. Pesados os prós e os contras, as municipalidades que se entregam nesta fogosa rivalidade de mais-rotundas-mais-fontes consideram que o enxame de adereços de mobiliário urbano faz bem às vistas dos munícipes. Faltaria o detalhe importante: acaso alguém inquiriu a populaça se é a favor dos adereços?
São rivalidades espúrias que nivelam por baixo. Quando os autarcas, tão certeiros, se convencem que têm que bater o município vizinho na construção de mais uma rotunda ostentando uma faraónica fonte, é o caos que se espalha. E a ignorância que o dinheiro enterrado nas rotundas e fontes podia ter outras finalidades mais importantes (ou não há nada mais prioritário, para um município, do que segar rectas com rotundas abundantes? É a versão moderna do milagre das rosas: agora, são rotundas, senhor!). Verdade seja dita, as autarquias são más pagadoras. Andaram anos ocupadas com a fobia das rotundas, com fontes pelo meio, sem darem conta que o erário municipal não tem recursos inesgotáveis. Só estranho não haver notícia de autarquias terem inventado o pelouro das rotundas e fontes, emancipando-o das obras públicas camarárias.
À sua maneira, esta é a “política do betão” inaugurada pelas autarquias. Ou a reinvenção da geografia urbana, enxameada de rotundas onde o trânsito podia ser regulado por semáforos. O que leva a suspeitar que, nestas pequenas cidades, o lobby das empresas de construção civil derrotou o lobby das empresas que instalam semáforos. Não sei se alguma vez estes autarcas se interrogaram se as rotundas profusas são factor de atracção ou de repulsão de visitantes. Falo por mim: não me apetece regressar a uma cidadezinha onde as rotundas se repetem por todo o lado. Se a intenção é demorar o visitante, obrigado a abrandar à passagem por cada rotunda, para apreciar as belezas oferecidas pela cidadezinha, por mim o efeito é o contrário. Se quero apenas atravessar aquela pequena cidade, é a paciência que se esgota quando surge pela frente a enésima rotunda. Os olhos não resvalam para o que rodeia a estrada: perdem-se na fúria de rotundas mais as fontes esplêndidas que as adereçam.

Os organismos internacionais deviam vir a esta terra para descobrir mais um indicador de desenvolvimento: quanto mais rotundas, mais rica é a terra. Ou não é essa a mensagem codificada na expansão territorial das rotundas? Dando de barato que são supérfluas, são gastos supérfluos. Ora, cidadezinhas que se dão ao luxo de semear rotundas com fontes enquistadas devem nadar em recursos. Só assim se percebe o fausto. E como não quero acreditar que os autarcas são irresponsáveis, que só querem o bem dos munícipes e que sabem ordenar as prioridades, no final concluo: esta é uma terrinha de abundância, de farta riqueza. Queixamo-nos do quê, afinal?

1 comentário:

Rui Miguel Ribeiro disse...

Tens quase toda a razão. E digo quase, porque as rotundas podem ser efectivamente factores de regulação do tráfego rodoviário, mas só em zonas de intensa circulação; isto porque, ao contrário dos semáforos, responde conforme os influxos de automóveis.
Quanto ao resto, é só razão. É uma aberração a proliferação de rotundas: dinheiro esbanjado, circulação entupida em vez de fluida (sim, porque não só se perde velocidade, mas também há aqueles azelhas que, mesmo não vendo vivalma milhas em redor, param antes de entrarem na rotunda. É de ficar louco!

P.S. Uma vez o anterior Presidente da Junta da freguesia onde resido, colocou uma espécia de legos gigantes para assinalar a futura construção de 2 rotundas. Interpelei-o criticamente sobre o facto e o senhor quase ficou ofendido: "Porque há duas escolas perto. Porque as associações de pais querem. Porque se alguém é atropelado a culpa depois é nossa. Etc, etc, etc." Depois de muitas diligências e insistências, ficou-se por uma rotunda, evitando-se a outra, que seria inenarrável, dada a manifesta falta de espaço no local. Não há nada a fazer: é uma autêntica rotundomania.