No rádio, o cronista lia o seu artigo de opinião. Desta vez a tarefa do cronista estava simplificada: limitara-se a reproduzir as palavras escritas, dias antes, por Nicolau Santos no Expresso. Queriam – o cronista da Rádio Universitária do Minho (não fixei o seu nome) e Nicolau Santos – elogiar Portugal. Destruir a ideia feita do chorrilho de defeitos que fazem a idiossincrasia de um povo ambíguo, tão capaz de se agarrar à tábua salvadora da sua efémera grandiosidade como, logo a seguir, interiorizar a percepção de que vive no pior país do mundo.
Nicolau Santos esforçou-se por demonstrar que devemos ter orgulho em Portugal, num Portugal que faz boa figura do mundo. E desfiava o rol de provas do garbo lusitano: os vinhos, as empresas de tecnologia que até colaboram com a NASA, as pequenas empresas de calçado que conseguem conquistar o exigente mercado britânico, a empresa que fabrica microprocessadores e que faz furor na Europa, entre outros exemplos que não consegui memorizar. Só para diluir a ideia feita da nossa pequenez, da inevitabilidade de um Portugal falido. Afinal temos futuro, desde que haja ventura para encarar o presente de frente.
Da minha parte, um contributo para a hercúlea tarefa. Este é um país soberbo. Não ficamos a dever nada a outros, de maior dimensão e que puxam lustro todos os dias ao seu chauvinismo. Temos um futebol que rivaliza com os grandes europeus. A acreditar nos agentes do sector, é a prova como se pode fazer muito com poucos recursos. O exemplo acabado de uma indústria de sucesso. É por aqui que começo, porque o futebol preenche o imaginário colectivo. E não é só aos fins-de-semana, quando a equipa da nossa preferência entra em jogo. É todos os dias, com as tricas e baldrocas desses exemplares magníficos que são os dirigentes desportivos, arquétipos do que deve aspirar ser qualquer cidadão que se preze.
Temos um povo simples, espontâneo, inteligente, que exemplifica aos demais o que são excelsos padrões de estética. Temos a música pimba, que ainda só não foi exportada para o resto da Europa porque os demais povos são ignaros, incapazes de perceber a elevação estética dos nossos artistas. É por cá que abundam ícones culturais como Margarida Pinto Rebelo, Paula Bobone, José Saramago, Luís Filipe Vieira, Luís Delgado, o António Costa (sim, o que é ministro), Zezé Camarinha, José Mourinho. E se acaso fosse necessário encontrar um estereótipo do bravo homem lusitano, logo avançava um dos irmãos Câmara Pereira. Charmosos, marialvas que enchem as medidas às nórdicas em breves mas intensas estadias turísticas, aficionados pela tourada e pela caça, garbosos machos que fariam caça aos maricas não fosse a desdita de tal caçada ter entrado no domínio do politicamente incorrecto.
É em Portugal que ainda encontramos sindicalistas que adormeceram no tempo. São peças de museu, laboratórios vivos de um tempo que só aqui não ficou emoldurado no passado. Historiadores, arqueólogos e politólogos de todo o mundo vêm até nós para estudar estes espécimes raros, quais amostras preciosas de dinossáurios extintos. Quando escutam a ladainha dos sindicalistas, os cientistas que fazem trabalho de campo em Portugal percebem as origens do fado. E quando se embrenham no longínquo interior, é como se chegassem à idade média. Mulheres vestidas de negro, num luto permanente por quem morreu e ainda por quem há-de morrer, ostentando o buço que faz da mulher lusitana uma osmose de hormonas masculinas com a feminilidade escassamente presente.
Temos cidades que são exemplos para a arquitectura mundial. Congressos de arquitectos instalam-se em cidades esplendorosas como Braga, Maia, ou nos arrabaldes de Lisboa: estuda-se a harmonia estética do casario que se amontoa, onde o povo vive alegremente as suas vidas luzidias. Também somos exportadores de engenharia civil: as estradas cheias de curvas mostram como não agredimos o ambiente, não esventramos montes e vales só para tornar os percursos mais cómodos aos viajantes. Também temos engenheiros mestres na construção de pontes sólidas, que quase não carecem de manutenção. Assim se percebe a drenagem de cérebros para o estrangeiro, desses egoístas que calcam desapiedadamente o chão pátrio que os viu nascer.
A pequenez da portugalidade é um mito, uma incógnita incompreensível. Será da natureza humana o eterno estatuto de insatisfação, o descontentamento com o que temos, a incapacidade para dar valor à excelência (que por aqui abunda). Por estarmos mal habituados, retratamos o Portugal com cores cinzentas e o ar fétido de um povo pouco atreito a hábitos de higiene. O Portugal maravilhoso escapa-se-nos mesmo debaixo do nariz. Sem dotes para apreender o valoroso que somos, passamos ao lado da grandiosidade a que, só a espaços, passamos lustro.
Dirão os cépticos: por cada virtude arrolada, há cem defeitos identificados. Somos tão invejosos, que até desmerecemos o notável que há em nós…
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