Perdoe-se-me a insistência: estes socialistas de pacotilha são uma reincarnação dos execráveis totalitarismos herdados do passado. Passam incólumes, diante do manto de legitimidade democrática que chamam a si. Confundem-na com a arrogância com que governam, acobertados pela maioria absoluta que lhes calhou em sorte. O problema é esse: estão longe da maioridade democrática. Não distinguem a fronteira entre o que uma maioria absoluta cauciona e a governação autoritária.
Da retórica à prática vai uma longa distância. Querem que nos contentemos com os sinais enviados através da propaganda zelosamente construída. Que nos alimentemos das declarações que coloram este governo com uma aura de sebastianismo redentor. E querem o aplauso, demorado e sonoro, a glorificação dos dirigentes que nasceram para timoneiros de uma nau desesperançada. Mas, às escuras, vão lançando a rede para as práticas do passado vergonhoso que tanto criticam.
Que os governos, uns atrás dos outros, qualquer que seja a cor política, manobram a comunicação social, não é novidade. A diferença está no grau de manipulação e na forma como ela é feita. O simples facto de termos políticos no poder deitando a mão à comunicação social é sintomático da mediocridade que campeia. Há que domesticar a imprensa para gerir o calendário eleitoral e encontrar veículos por excelência da propaganda governamental. E para conduzir a amansada turba pelos valores certos. Um paternalismo escusado. Num país que já tivesse atingido a maioridade cívica – e ela começa por quem deve dar o exemplo: os governantes – a independência da comunicação social não seria beliscada pela cumplicidade entre quem governa e a imprensa. Quando o recato não abunda, é sinal de que os governantes não confiam nas suas capacidades. E que, através da incestuosa relação com a imprensa, perpetuam o engodo que é governar.
Vem este longo intróito a propósito de uma decisão que raia o impensável. O governo, pela voz do perigoso Augusto Santos Silva, reforçou os poderes da Entidade Reguladora da Comunicação Social (ERC) sobre os canais que emitem televisão: têm que enviar à ERC, com quarenta e oito horas de antecedência, a programação; e a ERC pode interromper a emissão televisiva sem aviso prévio. Sempre que o burocrata de serviço considerar que um programa ultrapassa o limite do admissível – e o que é o admissível, sem critérios objectivos?
Nem me interessa discutir a arbitrariedade da medida. Tanto me faz que ela tenha ou não critérios objectivos. A subjectividade apenas acentua o espezinhar de uma sociedade que se diz reger pela liberdade de expressão. Ainda que houvesse critérios objectivos, a minha oposição manter-se-ia. No fundo, o que temos aqui é censura. Pura e dura. O novo lápis azul, nas mãos de funcionários anónimos que, de lupa vigilante sobre os canais da televisão, zelam pelos bons costumes. Nós, os restantes, só temos que agradecer o zelo colocado na função. Estes senhores e senhoras terão que consumir toneladas de telelixo para não sermos bombardeados com indignidades ofensivas da moral e dos bons costumes. Resta saber se algum dia um programa de debate pode ser interrompido porque alguém, exercendo liberdade de opinião, teceu opiniões pouco simpáticas sobre um governante. A porta fica aberta…
Pela parte que me toca, dispenso a lupa vigilante. Prefiro ser inundado de telelixo e que as televisões continuem a nivelar a qualidade por baixo. Prefiro ter o direito de manipular o comando da televisão e mudar de canal, quando um programa qualquer provocar o vómito. Prefiro tudo isto a censores que pairam sobre nós, com a superioridade moral e estética que ninguém lhes encomendou. Prefiro a má qualidade das televisões, sobretudo se tiver à disposição o supremo cutelo de me recusar a ver determinados programas. E sinto-me incomodado pelos pequenos passos que limitam as liberdades.
Esta censura insólita rivaliza com a censura do Estado Novo. Com um perigo adicional: o estatuto de menoridade intelectual passado ao cidadão comum. Ao dar tanto poder à ERC, uma mensagem nas entrelinhas: as pessoas não são dotadas ao ponto de mudarem de canal quando a qualidade bater no fundo e os costumes forem violentados. Os mesmos que desconfiam das capacidades da populaça para discernir o que é telelixo não percebem que foram eleitos por essa populaça que agora achincalham. Uns ingratos, é o que são estes socialistas. E, continuo a dizê-lo, perigosos, muito perigosos.
3 comentários:
Pois é. São estes e outros os perigos de votar em socialistas estatizantes, centralistas, pseuso-moralizadores, castradores das liberdades individuais em nome de padrões colectivos (por eles escolhidos).
Francamente este tipo de medidas "Big Brotherianas" não me espantam. Choca-me, contudo, a pacatez com que os independentes media parecem predispor-se a engolir mais este rosado sapo.
Com governantes manipuladores e jornalistas instrumentalizáveis, o regime está mesmo em crise.
O problema, para um militante social-democrata como tu, é que o teu partido encaixa-se na descrição que fazes destes socialistas. O passado está aí, registado, para o relembrar.
PVM
Só parcialmente e em menor medida. De qualquer modo, eu não me revejo nessa prática, mesmo quando provém do PSD. Não gosto de estados metediços, paternalistas e asfixiantes.
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