Tremenda mania a nossa. Como se fosse um pêndulo que oscila sobre as nossas cabeças, sempre lembrando que somos de uma humana condição, longe da auréola que coroa as figuras beatificadas pela igreja. Tementes do julgamento final que nos há-de abrir os portões do paraíso celeste, esforçamo-nos por alcançar o diadema aceitável para ultrapassar as ameias que separam do almejado paraíso. Gostaríamos de ser santos. Do alto da nossa incapacidade, espelho da humilde condição humana, condescendemos quando alguém se apresenta retratado como santo. É aí que as hagiografias se destacam.
O estilo hagiográfico remete para as messiânicas figuras dotadas de um especial dom providencial. Eles foram os escolhidos, os timoneiros para levar a barca por águas tranquilas até aportar em cais seguro. A hagiografia enaltece os dons quase divinos da personagem retratada. Constrói os caminhos que hão-de arregimentar um séquito de fiéis seguidores, cegados pela auréola especial que encima a cabeça predestinada. É seguido, cegamente, como nos rituais religiosos os dogmas não concebem interrogações.
Há hagiografias de pessoas que já morreram. São as hagiografias fáceis. Correspondem a uma tendência irreprimível da espécie humana: os mortos são merecedores de todos os panegíricos. Aos mortos perdoam-se todos os desvios em vida, como se a morte apagasse registos malévolos, subitamente obliterados do futuro. Mas há hagiografias em vida. Diria, epitáfios antecipados. Só egos inflamados aceitam hagiografias de si mesmos enquanto convivem com o mundo dos vivos. Causa-me espécie a necessidade de se sentirem adulados pelo séquito e, como se isso não bastasse, caucionem hagiografias saídas da pena de um admirador. É que hagiografias em vida têm a ressonância de uma despedida do mundo dos vivos, como se afinal quem patrocina a hagiografia estivesse cansado de conviver com o pretenso santo ali retratado.
Para desgosto das figuras que se emprestam à hagiográfica condição, não se conseguem desprender da veste de simples mortal, com tantos defeitos que colocam obstáculos no caminho. O que basta para toldar a hagiografia, que afinal não é de um santo que se trata. Apenas um culto da personalidade. Como o registo histórico exemplifica com abundância, sobretudo entre ditadores sanguinários que se achavam homens providenciais, mostrando o sacerdócio do seu consulado totalitário. Olhar para trás, recuar no tempo e recuperar exemplos de personagens alucinadas, convencidas do seu estatuto sobre-humano. Tantos os escolhidos para liderar as massas, convencidos que os dissidentes deviam ser reprimidos para não perturbarem a tranquila marcha rumo ao progresso.
O registo hagiográfico cauciona a miopia de análise, imersa num perturbante autismo. Só virtudes, uma tremenda confusão entre méritos reais e ficções que transformam a historiografia oficial em feitos que não passam de encenações a jeito para a hagiografia. Desconfio de todas as hagiografias. Das que são feitas post mortem e sobretudo das que são encomendadas em vida dos santos que por aqui se misturam com os comuns mortais. Não acredito em Homens providenciais, aspergidos com dons divinos que os colocam num altar supremo que nós, comuns mortais, nunca podemos alcançar.
Interrogo-me se as hagiografias de figuras vivas não são um pretexto para desviar as atenções do lado obscuro que se pretende esconder. Quem muito enaltece méritos há-de ter um canto escondido da sua vida que é um cortejo de perversões, um chorrilho de pequenos e grandes pecados que imediatamente impedem a ascensão à beatífica condição reclamada pela hagiografia. Os retratados por hagiografias (em vida) não se dão conta do perturbante altar em que são colocados, ao lado de controversos ditadores que sentiram uma compulsão vertiginosa pelo estilo hagiográfico, porventura para ofuscar da memória crimes e desmandos que chegariam para negar a santificada condição que aparece em letra de forma.
As hagiografias: um exercício de recomposição da consciência, como se houvesse a necessidade de lavar a consciência dos atropelos cometidos no passado; ou apenas a compulsão do ensimesmamento, egos do tamanho do universo que gostariam de emparelhar com os santos lá na galeria onde são endeusados. Como não acredito que haja predestinados, nem pessoas com dotes sobre-humanos, a minha suspeita em relação às hagiografias fala mais alto.
O estilo hagiográfico remete para as messiânicas figuras dotadas de um especial dom providencial. Eles foram os escolhidos, os timoneiros para levar a barca por águas tranquilas até aportar em cais seguro. A hagiografia enaltece os dons quase divinos da personagem retratada. Constrói os caminhos que hão-de arregimentar um séquito de fiéis seguidores, cegados pela auréola especial que encima a cabeça predestinada. É seguido, cegamente, como nos rituais religiosos os dogmas não concebem interrogações.
Há hagiografias de pessoas que já morreram. São as hagiografias fáceis. Correspondem a uma tendência irreprimível da espécie humana: os mortos são merecedores de todos os panegíricos. Aos mortos perdoam-se todos os desvios em vida, como se a morte apagasse registos malévolos, subitamente obliterados do futuro. Mas há hagiografias em vida. Diria, epitáfios antecipados. Só egos inflamados aceitam hagiografias de si mesmos enquanto convivem com o mundo dos vivos. Causa-me espécie a necessidade de se sentirem adulados pelo séquito e, como se isso não bastasse, caucionem hagiografias saídas da pena de um admirador. É que hagiografias em vida têm a ressonância de uma despedida do mundo dos vivos, como se afinal quem patrocina a hagiografia estivesse cansado de conviver com o pretenso santo ali retratado.
Para desgosto das figuras que se emprestam à hagiográfica condição, não se conseguem desprender da veste de simples mortal, com tantos defeitos que colocam obstáculos no caminho. O que basta para toldar a hagiografia, que afinal não é de um santo que se trata. Apenas um culto da personalidade. Como o registo histórico exemplifica com abundância, sobretudo entre ditadores sanguinários que se achavam homens providenciais, mostrando o sacerdócio do seu consulado totalitário. Olhar para trás, recuar no tempo e recuperar exemplos de personagens alucinadas, convencidas do seu estatuto sobre-humano. Tantos os escolhidos para liderar as massas, convencidos que os dissidentes deviam ser reprimidos para não perturbarem a tranquila marcha rumo ao progresso.
O registo hagiográfico cauciona a miopia de análise, imersa num perturbante autismo. Só virtudes, uma tremenda confusão entre méritos reais e ficções que transformam a historiografia oficial em feitos que não passam de encenações a jeito para a hagiografia. Desconfio de todas as hagiografias. Das que são feitas post mortem e sobretudo das que são encomendadas em vida dos santos que por aqui se misturam com os comuns mortais. Não acredito em Homens providenciais, aspergidos com dons divinos que os colocam num altar supremo que nós, comuns mortais, nunca podemos alcançar.
Interrogo-me se as hagiografias de figuras vivas não são um pretexto para desviar as atenções do lado obscuro que se pretende esconder. Quem muito enaltece méritos há-de ter um canto escondido da sua vida que é um cortejo de perversões, um chorrilho de pequenos e grandes pecados que imediatamente impedem a ascensão à beatífica condição reclamada pela hagiografia. Os retratados por hagiografias (em vida) não se dão conta do perturbante altar em que são colocados, ao lado de controversos ditadores que sentiram uma compulsão vertiginosa pelo estilo hagiográfico, porventura para ofuscar da memória crimes e desmandos que chegariam para negar a santificada condição que aparece em letra de forma.
As hagiografias: um exercício de recomposição da consciência, como se houvesse a necessidade de lavar a consciência dos atropelos cometidos no passado; ou apenas a compulsão do ensimesmamento, egos do tamanho do universo que gostariam de emparelhar com os santos lá na galeria onde são endeusados. Como não acredito que haja predestinados, nem pessoas com dotes sobre-humanos, a minha suspeita em relação às hagiografias fala mais alto.
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