Resposta lapidar: não. Mil vezes não. Independentemente dos atentados aos direitos humanos que tenham perpetrado; independentemente dos anos que se perpetuaram no poder, asfixiando as vozes dissidentes, torturando os oposicionistas, exilando quem ousava falar noutra escala ideológica; e independentemente da sua filiação, à esquerda ou à direita. Todos os ditadores são facínoras do livre arbítrio. Não colhem – nunca podem colher – os pretextos em seu favor: a defesa do povo contra o capitalismo selvagem (ditadores que se encostam à esquerda); a defesa da pátria contra os fantasmas do comunismo (ditadores situados à direita).
Fico aturdido com alguns sectores da direita que verteram lágrimas pela morte de Pinochet. São os mesmos que se indignam (e com razão) quando testemunham o ternurento tratamento que ditadores de esquerda recebem por uma imprensa de memória selectiva. Alguns destes representantes da nossa direita decidiram tecer loas ao antigo ditador chileno só para provocar os sectores bem pensantes da esquerda. É a interpretação que me ocorre. Ou é um truque de retórica, para apanhar numa armadilha o politicamente correcto de esquerda, ou não percebo a lógica destes sectores de direita que teceram um manto de piedade na morte de Pinochet.
As mortes de que o torcionário ditador foi responsável não se apagam da memória. Os anos que passou no poder, com a sonegação da liberdade de expressão, as torturas sistemáticas, os exílios em massa, fazem parte da História. Atropelos inadmissíveis aos direitos humanos. Alguns, comiserados com o decesso do ditador, vieram lembrar que ele evitou a instalação do comunismo no Chile. O que bastava para entrar nos anais da História como personagem recomendável. Lamento discordar: continuo a teimar que os meios não justificam os fins. Menos ainda quando, para atingir o fim, é necessário espezinhar vidas humanas, num ritual sacrificial que ecoa a ensandecimento.
Também os cultores da realpolitik não me convencem na sua tentativa de apaziguar a memória colectiva com Pinochet. Tentam justificar o apoio dos Estados Unidos ao golpe sangrento protagonizado por Pinochet, bem como a caução à política de silenciamento e morte de quem se opunha ao regime ditatorial. À falta de melhores argumentos, soltam os imperativos da realpolitik. É um argumento que me deixa aterrado. Este é o argumento derradeiro porque todos os demais se esgotaram, vencidos na discussão. Que, pelo caminho, vidas humanas tenham sido ceifadas, detalhe insignificante no altar supremo da realpolitik. Quem assim fala não hesita em denunciar os fundamentalistas islâmicos que desvalorizam a vida humana quando cometem os hediondos atentados que semeiam a morte e o terror. Só não percebo como podem esgrimir este argumento se, pelo culto da sagrada realpolitik, resvalam para a mesma desvalorização da vida humana.
É nestas alturas, quando a evocação de ditadores de direita traz palavras elogiosas, que aumentam as minhas suspeitas em relação ao jaez da direita caseira. Desconfio que muita da nossa direita é mesmo saudosista dos idos da ditadura salazarista. Podem ter sido convertidos ao jogo da democracia, muitos decerto por conveniência. Escorregam para a sua verdadeira essência quando soltam uma lágrima furtiva no último adeus a mais um facínora que ficou conhecido como ditador de direita.
Outros, também de direita mas genuínos democratas, embarcam num jogo perigoso quando elogiam o ditador de direita que se despediu da vida. Alegam que à esquerda há quem elogie ditadores de esquerda, alguns ainda no poder. Criticam a incoerência dos esquerdistas que sancionam os ditadores da sua preferência e depois atacam furiosamente ditadores de direita. Têm razão quando denunciam a incongruência desta gente que se arroga ao monopólio da razão. Perdem-na quando usam as mesmas armas dos esquerdistas que criticam. São da mesma igualha ao descobrirem o fio à meada do virtuosismo de ditadores de direita.
A humanidade tem motivos para festejar de cada vez que um ditador é derrubado do poder, de cada vez que alguém que em tempos foi ditador diz adeus à vida. Seja qual for a sua proveniência ideológica, seja qual for o quadrante político onde se insere.
Fico aturdido com alguns sectores da direita que verteram lágrimas pela morte de Pinochet. São os mesmos que se indignam (e com razão) quando testemunham o ternurento tratamento que ditadores de esquerda recebem por uma imprensa de memória selectiva. Alguns destes representantes da nossa direita decidiram tecer loas ao antigo ditador chileno só para provocar os sectores bem pensantes da esquerda. É a interpretação que me ocorre. Ou é um truque de retórica, para apanhar numa armadilha o politicamente correcto de esquerda, ou não percebo a lógica destes sectores de direita que teceram um manto de piedade na morte de Pinochet.
As mortes de que o torcionário ditador foi responsável não se apagam da memória. Os anos que passou no poder, com a sonegação da liberdade de expressão, as torturas sistemáticas, os exílios em massa, fazem parte da História. Atropelos inadmissíveis aos direitos humanos. Alguns, comiserados com o decesso do ditador, vieram lembrar que ele evitou a instalação do comunismo no Chile. O que bastava para entrar nos anais da História como personagem recomendável. Lamento discordar: continuo a teimar que os meios não justificam os fins. Menos ainda quando, para atingir o fim, é necessário espezinhar vidas humanas, num ritual sacrificial que ecoa a ensandecimento.
Também os cultores da realpolitik não me convencem na sua tentativa de apaziguar a memória colectiva com Pinochet. Tentam justificar o apoio dos Estados Unidos ao golpe sangrento protagonizado por Pinochet, bem como a caução à política de silenciamento e morte de quem se opunha ao regime ditatorial. À falta de melhores argumentos, soltam os imperativos da realpolitik. É um argumento que me deixa aterrado. Este é o argumento derradeiro porque todos os demais se esgotaram, vencidos na discussão. Que, pelo caminho, vidas humanas tenham sido ceifadas, detalhe insignificante no altar supremo da realpolitik. Quem assim fala não hesita em denunciar os fundamentalistas islâmicos que desvalorizam a vida humana quando cometem os hediondos atentados que semeiam a morte e o terror. Só não percebo como podem esgrimir este argumento se, pelo culto da sagrada realpolitik, resvalam para a mesma desvalorização da vida humana.
É nestas alturas, quando a evocação de ditadores de direita traz palavras elogiosas, que aumentam as minhas suspeitas em relação ao jaez da direita caseira. Desconfio que muita da nossa direita é mesmo saudosista dos idos da ditadura salazarista. Podem ter sido convertidos ao jogo da democracia, muitos decerto por conveniência. Escorregam para a sua verdadeira essência quando soltam uma lágrima furtiva no último adeus a mais um facínora que ficou conhecido como ditador de direita.
Outros, também de direita mas genuínos democratas, embarcam num jogo perigoso quando elogiam o ditador de direita que se despediu da vida. Alegam que à esquerda há quem elogie ditadores de esquerda, alguns ainda no poder. Criticam a incoerência dos esquerdistas que sancionam os ditadores da sua preferência e depois atacam furiosamente ditadores de direita. Têm razão quando denunciam a incongruência desta gente que se arroga ao monopólio da razão. Perdem-na quando usam as mesmas armas dos esquerdistas que criticam. São da mesma igualha ao descobrirem o fio à meada do virtuosismo de ditadores de direita.
A humanidade tem motivos para festejar de cada vez que um ditador é derrubado do poder, de cada vez que alguém que em tempos foi ditador diz adeus à vida. Seja qual for a sua proveniência ideológica, seja qual for o quadrante político onde se insere.
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