Frustração pessoal: não tenho físico para porteiro de discoteca. No escasso registo pessoal de vida nocturna, deleitava-me com a prosápia dos porteiros de discoteca, a altivez de quem escolhe a dedo a clientela com franquia ao interior do estabelecimento. Do alto dos dois metros e mais de cem quilos amedrontavam os candidatos a clientes amontoados à porta. Calavam possíveis protestos, que os bíceps avantajados e o enorme poder que tinham entre mãos (ficar à porta tempo infindável ou cair nas boas graças e ter acesso ao plateau) punham a ordeira clientela em respeito.
Era vê-los, vaidosos e altivos, como alvos das atenções. A turba aferrada na fila espetava o dedo no ar, com esperança que fossem os próximos escolhidos. A mais pura arbitrariedade. Estar numa fila não garantia prioridades. O que contava era o supremo poder dos porteiros, a sua escolha arbitrária. E a turba esperava, paciente. Ansiosa, que os minutos passados lá fora eram tempo perdido de diversão luxuriosa. Mas perseverava, engrossando a fila ao mesmo tempo que crescia o poder dos porteiros.
Para os aspirantes da nova ciência - aquela ciência que ganha terreno nas universidades e que faz do assunto mais banal tema para teses de mestrado e de doutoramento - uma proposta de investigação: aliar o útil ao agradável, percorrer uma amostra de estabelecimentos de diversão nocturna, de norte a sul. Indagar sobre a "política de selecção da clientela" praticada nas discotecas. Entrar nos meandros da gestão destes estabelecimentos, interrogar os proprietários e os porteiros tentando desemaranhar as linhas de orientação que os primeiros passam aos segundos quanto à selecção de clientes. Perceber se os porteiros têm neurónios suficientes para compreender as orientações dos seus patrões, se o que praticam se afasta das orientações da gerência. Verter em ciência o exercício de poder dos porteiros. Com a ajuda a psicólogos para decifrar o comportamento dos porteiros (tornando o estudo inter-disciplinar). É uma agenda de pesquisa promissora.
Do baú das recordações recupero a vaidade dos porteiros, que sussurravam entre si enquanto deixavam à beira da apoplexia pobres almas ansiosas por entrar na discoteca. Dava gosto ver os porteiros a escolherem o próximo contemplado, depois de largos minutos de espera paciente da multidão enfileirada. Era um momento de êxtase, mais para os porteiros do que para os felizes escolhidos. Nesse momento, percebia nos porteiros o exercício da magnanimidade. Ou melhor, queriam que os candidatos a clientes entendessem que aquela tarefa era, para os porteiros, o acto maior de generosidade que a humanidade pode conhecer. Regozijam-se ao terem perante si uma multidão que clama pelo piedoso acto de serem os próximos escolhidos para o turbilhão de cores psicadélicas e sons alucionogénicos que desfilam no interior da discoteca.
Este regozijo interior é a medida do empossamento de poder dos porteiros. A atestar pela arrogância com que tratam a turba apinhada à porta da discoteca, a altivez com que, mastodontes, protegem a porta do estabelecimento contra as investidas de figuras indesejáveis. São a caução da boa frequência do estabelecimento, o que reforça o poder que detêm. Um filtro decisivo para que "a casa" tenha uma boa clientela, o que atrai ainda mais clientela. Da mesma forma que um restaurante consolida fama pelo maître de cuisine, pela boa gastronomia que oferece a quem ali se amesendar, os porteiros são a chancela do sucesso da discoteca. Mais que os DJ. Nos dias que correm, interessa mais quem se vê na entourage que o conteúdo consumido. O sucesso avalia-se pela densidade de beautiful people, não pela decoração de interiores ou pela música que passa - muito menos interessa saber se o whisky é marado ou de boa qualidade. Como filtros, os porteiros são peças chave na engrenagem do negócio. O que intensifica o poder que detêm.
Era vê-los, vaidosos e altivos, como alvos das atenções. A turba aferrada na fila espetava o dedo no ar, com esperança que fossem os próximos escolhidos. A mais pura arbitrariedade. Estar numa fila não garantia prioridades. O que contava era o supremo poder dos porteiros, a sua escolha arbitrária. E a turba esperava, paciente. Ansiosa, que os minutos passados lá fora eram tempo perdido de diversão luxuriosa. Mas perseverava, engrossando a fila ao mesmo tempo que crescia o poder dos porteiros.
Para os aspirantes da nova ciência - aquela ciência que ganha terreno nas universidades e que faz do assunto mais banal tema para teses de mestrado e de doutoramento - uma proposta de investigação: aliar o útil ao agradável, percorrer uma amostra de estabelecimentos de diversão nocturna, de norte a sul. Indagar sobre a "política de selecção da clientela" praticada nas discotecas. Entrar nos meandros da gestão destes estabelecimentos, interrogar os proprietários e os porteiros tentando desemaranhar as linhas de orientação que os primeiros passam aos segundos quanto à selecção de clientes. Perceber se os porteiros têm neurónios suficientes para compreender as orientações dos seus patrões, se o que praticam se afasta das orientações da gerência. Verter em ciência o exercício de poder dos porteiros. Com a ajuda a psicólogos para decifrar o comportamento dos porteiros (tornando o estudo inter-disciplinar). É uma agenda de pesquisa promissora.
Do baú das recordações recupero a vaidade dos porteiros, que sussurravam entre si enquanto deixavam à beira da apoplexia pobres almas ansiosas por entrar na discoteca. Dava gosto ver os porteiros a escolherem o próximo contemplado, depois de largos minutos de espera paciente da multidão enfileirada. Era um momento de êxtase, mais para os porteiros do que para os felizes escolhidos. Nesse momento, percebia nos porteiros o exercício da magnanimidade. Ou melhor, queriam que os candidatos a clientes entendessem que aquela tarefa era, para os porteiros, o acto maior de generosidade que a humanidade pode conhecer. Regozijam-se ao terem perante si uma multidão que clama pelo piedoso acto de serem os próximos escolhidos para o turbilhão de cores psicadélicas e sons alucionogénicos que desfilam no interior da discoteca.
Este regozijo interior é a medida do empossamento de poder dos porteiros. A atestar pela arrogância com que tratam a turba apinhada à porta da discoteca, a altivez com que, mastodontes, protegem a porta do estabelecimento contra as investidas de figuras indesejáveis. São a caução da boa frequência do estabelecimento, o que reforça o poder que detêm. Um filtro decisivo para que "a casa" tenha uma boa clientela, o que atrai ainda mais clientela. Da mesma forma que um restaurante consolida fama pelo maître de cuisine, pela boa gastronomia que oferece a quem ali se amesendar, os porteiros são a chancela do sucesso da discoteca. Mais que os DJ. Nos dias que correm, interessa mais quem se vê na entourage que o conteúdo consumido. O sucesso avalia-se pela densidade de beautiful people, não pela decoração de interiores ou pela música que passa - muito menos interessa saber se o whisky é marado ou de boa qualidade. Como filtros, os porteiros são peças chave na engrenagem do negócio. O que intensifica o poder que detêm.
Eis a democratização proporcionada pelo negócio, como o capitalismo é um enorme oceano de oportunidades. Eis como figuras pouco dotadas intelectualmente conseguem ascender a posições que lhes conferem um poder substancial. Sem este segmento de negócio, decerto muitos mastodontes que parqueiam às portas de discotecas andariam pelo bas-fond, entregues à criminalidade, pela sua inutilidade para outras tarefas que exigem destreza.
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