13.12.06

Oxalá como os outros



Somos um povo com uma humildade enternecedora. Cientes das nossas fraquezas, olhamos para os estrangeiros como modelos que queremos imitar. Existe maior admissão das incapacidades próprias do que a busca do sucesso alheio como farol que há-de guiar os nossos empreendimentos futuros? Contrastamos com outros povos que ostentam, garbosos, a sua pertença nacional. Os chauvinistas, empunhando uma superioridade divina em relação aos demais povos. Connosco, o contrário. Desmerecemos os nossos atributos. Na resignação da desdita nacional, olhamos para fora das fronteiras em busca da inspiração para sermos o que, por nós, não conseguimos alcançar.

Às segundas-feiras tentamos ser irlandeses. Às terças-feiras vamos esgadanhar inspiração aos suecos. Às quartas-feiras fazemos um esforço para copiar os finlandeses. Às quintas-feiras fixamos o olhar no exemplo dinamarquês. E às sextas-feiras a inspiração atravessa o Atlântico, para repousar no paradigma norte-americano. Aos fins-de-semana regressamos à lusitana condição, merecido o descanso dos justos. Tudo com o beneplácito governamental, que não se cansa de gabar os exemplos alheios, enviando sinais claros que devemos beber a inspiração nestes exemplos de sucesso.

Na Irlanda procuramos as pistas do milagre económico. Vamos importar da Suécia os traços que permitem salvar o endeusado modelo social europeu, tão caro à social-democracia bem pensante. A Finlândia é um exemplo de sucesso tecnológico, como um pequeno país consegue aproveitar as sinergias de que dispõe para singrar num segmento muito específico. A influência do sucesso Nokia. É mais recente a atracção pela Dinamarca, o lugar de onde o primeiro-ministro copiou a ideia da “flexi-segurança” (ou a quadratura do círculo de quem tenta conciliar o modelo social europeu com mais flexibilidade no mercado do trabalho). O exemplo mais recente foi dado pelo ministro que tutela a ciência, a investigação e as universidades. O ministro quer que os estudantes universitários comecem a trabalhar a tempo parcial enquanto estudam. Os Estados Unidos foram o exemplo que serviu de inspiração.

Não está em causa o mérito das propostas que querem fazer de Portugal um émulo de outros países. Nem a desidentificação nacional, através deste mosaico de nacionalidades que passaria a ser a força motriz da nossa grandeza. Assim como assim, está na moda o exercício das boas práticas como guia de orientação para a governação dos países: devem seguir as pisadas daqueles que inovam a oferecem um bom desempenho. Nem está em causa a largueza de vistas deste primeiro-ministro, mais o seu cosmopolitismo que faz dele uma figura tão arejada, tão modernaça. O que se equaciona é a desdita de um povo que tem que pescar os bons exemplos que vêm lá de fora para ser alguém na vida, para sair do torpor em que vive aprisionado de há largo tempo.

Talvez mais importante que arpoar o anzol no primeiro exemplo de sucesso que apareça pela frente, seja perceber se temos condições para encaixar no modelo que teve sucesso algures. É utópico acreditar que, com um estalar de dedos, deixamos de ser o que sempre fomos para nos moldarmos às exigências de um modelo que teve sucesso no estrangeiro. Há características enraizadas na nossa maneira de ser. Não é por acaso que se fala da idiossincrasia dos povos. O grande problema que derrota o optimismo dos governantes é este: os modelos tiveram sucesso nos outros países porque os seus povos encaixaram nas exigências desses modelos. Por cá, o pretendido sucesso da importação de modelos alheios esbarra na idiossincrasia nacional. Para desgosto de quem nos governa, que acredita nas soluções milagrosas importadas de alhures. Há frases que ficam imortalizadas no tempo, são lições para quem engaveta a memória (e o conhecimento) num quarto escuro. Voltaire tinha razão quando dizia “a educação desenvolve as qualidades, mas não as cria”.

Para terminar, duas notas de perplexidade nesta fobia de imitação do alheio. Primeira, quem nos governa demite-se de fazer o seu trabalho. Desliza para o facilitismo do sucesso alheio, sem perceber que o êxito dos outros não se coaduna com as nossas idiossincrasias. Assim se manifesta a incompetência. Segunda nota, ao enfatizar a necessidade de copiarmos o êxito alheio, este governo sinaliza a descrença nas capacidades indígenas. Ainda que esta seja a realidade, não fica bem aos eleitos cuspirem no prato que lhes deram a comer.

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