As autoridades monetárias dos Estados Unidos emitiram moedas de dólar desprovidas da divisa "in god we trust". Consta que os acérrimos defensores de deus protestaram contra a ousadia ateísta. Dizem que retirar a vocação teísta da moeda é uma violência inaceitável. Por um lado, por atentar contra as crenças dos que devotam as suas preces a um qualquer deus. Por outro lado, porque a moeda já tinha entranhado em si o lema agora retirado. Invoca-se o costume enraizado para se oporem ao modernismo.
Estranho o pé-de-vento que por aí vai. Talvez seja a perplexidade motivada pelo ateísmo militante, o que me impede de olhar para a celeuma com a distância necessária que a imparcialidade exigiria. A bem da verdade, é a mesma parcialidade que veste os crentes que se insurgem contra o despedimento de deus da face das moedas de dólar.
Seja como for, a polémica que se serve é o prato requentado dos antagonismos entre aqueles que continuam a crer em deus e os que se encontram no lado oposto, divididos entre ateus e agnósticos. Agora com uma moeda como pretexto para mais um episódio da polémica. No fundo, a discussão é estéril: que interesse terá a menção a deus numa moeda, ou a sua ausência? Vendo pelo prisma dos crentes, como podem sentir-se violentados na sua fé se, de repente, as moedas que transportam na algibeira aparecem desnudadas de referências divinas? A moeda perde o seu valor? Vão deixar de usar a moeda, remetendo-se a um ascetismo obrigatório até que a pressão fale mais alto que a impiedosa materialização da moeda determinada pelas autoridades? Olhando pela óptica dos ateus e agnósticos, haverá intolerável violência se as moedas que usarem tiverem a inscrição "in god we trust", se afinal sabem que as suas convicções falam mais alto que o lema lacrado na liga metálica?
Sei que é difícil desprender-me da parcialidade da análise por ser ateu. Contudo, este é um vício que inquina a discussão, e inquina-a independentemente do lado da barricada em que nos situemos. Registada a declaração de interesses, prossegue a investigação da celeuma. Primeira tarefa: localizar o contexto da polémica. Tudo se passa nos Estados Unidos, país que combate o fundamentalismo islâmico que alimenta o terrorismo. Dir-se-ia que os Estados Unidos têm um móbil neste combate: enfatizar a dessacralização da sociedade, insistir na laicização do Estado. Esta estratégia será um instrumento essencial para combater os fundamentalistas do terror. Só que depois não se compreende como podem certos sectores norte-americanos agarrar-se à tábua religiosa com unhas e dentes, fazendo uma tempestade em copo de água porque alguém decidiu retirar da moeda uma mensagem de profundo cariz religioso. A incoerência é clara: na frente externa luta-se contra algo que ao nível interno é branqueado.
Em segundo lugar, estas lutas fratricidas que se aventuram pelo terreno da religião, onde se confunde o divino e o profano, entram no domínio da imposição de comportamentos ao adversário que se pretende vergar pela força da argumentação. Tudo se resume a saber se é aceitável a uma das facções impor a vontade sobre a outra. Poderão os crentes vingar as suas ideias, continuando orgulhosamente a ostentar a sua crença através da moeda, forçando ateus e agnósticos a conviverem dia a dia com uma fraseologia estranha às suas convicções? A interrogação pode ser invertida: poderá a modernidade e a expansão laica remover da moeda uma inscrição que já estava enraizada nos hábitos sociais, atropelando as convicções dos que acreditam que deus existe?
Apoderado pela parcialidade da análise, só me ocorre responder que será maior a violência se persistir o hábito de colocar na moeda a inscrição alusiva a deus do que o contrário. Parece incontestável que as religiões - sobretudo nos países ocidentais - têm vindo a perder terreno, principalmente entre os mais jovens. Acresce que a imposição de padrões comportamentais parece-me desajustada. Quando alguém que não acredita em deus olha para a moeda e repara na inscrição "in god we trust", há ali um acto confessional que representa uma injunção nas convicções de alguém que não se revê no lema. Decerto poderá o ateu desvalorizar a inscrição, ele que é acusado de padecer da materialização das relações sociais que, para os crentes, é um dos males contemporâneos. Mas poderá não se alhear da inscrição divina que faz do todo um indiferenciado grupo que através da moeda se revê numa confissão religiosa. O contrário não me parece tão violentador: se o lema que sugere a crença colectiva em deus desaparecer da moeda, não será por isso que os crentes serão violentados nas suas convicções. Não é pela omissão que deixam de ser crentes.
A diferença está entre impor um comportamento a alguém que nele não se revê e eliminar uma referência divina (para mais de algo que nada tem a ver com a religião - a moeda), sem que isso constitua uma intrusão nas convicções religiosas de quem as professa.
Estranho o pé-de-vento que por aí vai. Talvez seja a perplexidade motivada pelo ateísmo militante, o que me impede de olhar para a celeuma com a distância necessária que a imparcialidade exigiria. A bem da verdade, é a mesma parcialidade que veste os crentes que se insurgem contra o despedimento de deus da face das moedas de dólar.
Seja como for, a polémica que se serve é o prato requentado dos antagonismos entre aqueles que continuam a crer em deus e os que se encontram no lado oposto, divididos entre ateus e agnósticos. Agora com uma moeda como pretexto para mais um episódio da polémica. No fundo, a discussão é estéril: que interesse terá a menção a deus numa moeda, ou a sua ausência? Vendo pelo prisma dos crentes, como podem sentir-se violentados na sua fé se, de repente, as moedas que transportam na algibeira aparecem desnudadas de referências divinas? A moeda perde o seu valor? Vão deixar de usar a moeda, remetendo-se a um ascetismo obrigatório até que a pressão fale mais alto que a impiedosa materialização da moeda determinada pelas autoridades? Olhando pela óptica dos ateus e agnósticos, haverá intolerável violência se as moedas que usarem tiverem a inscrição "in god we trust", se afinal sabem que as suas convicções falam mais alto que o lema lacrado na liga metálica?
Sei que é difícil desprender-me da parcialidade da análise por ser ateu. Contudo, este é um vício que inquina a discussão, e inquina-a independentemente do lado da barricada em que nos situemos. Registada a declaração de interesses, prossegue a investigação da celeuma. Primeira tarefa: localizar o contexto da polémica. Tudo se passa nos Estados Unidos, país que combate o fundamentalismo islâmico que alimenta o terrorismo. Dir-se-ia que os Estados Unidos têm um móbil neste combate: enfatizar a dessacralização da sociedade, insistir na laicização do Estado. Esta estratégia será um instrumento essencial para combater os fundamentalistas do terror. Só que depois não se compreende como podem certos sectores norte-americanos agarrar-se à tábua religiosa com unhas e dentes, fazendo uma tempestade em copo de água porque alguém decidiu retirar da moeda uma mensagem de profundo cariz religioso. A incoerência é clara: na frente externa luta-se contra algo que ao nível interno é branqueado.
Em segundo lugar, estas lutas fratricidas que se aventuram pelo terreno da religião, onde se confunde o divino e o profano, entram no domínio da imposição de comportamentos ao adversário que se pretende vergar pela força da argumentação. Tudo se resume a saber se é aceitável a uma das facções impor a vontade sobre a outra. Poderão os crentes vingar as suas ideias, continuando orgulhosamente a ostentar a sua crença através da moeda, forçando ateus e agnósticos a conviverem dia a dia com uma fraseologia estranha às suas convicções? A interrogação pode ser invertida: poderá a modernidade e a expansão laica remover da moeda uma inscrição que já estava enraizada nos hábitos sociais, atropelando as convicções dos que acreditam que deus existe?
Apoderado pela parcialidade da análise, só me ocorre responder que será maior a violência se persistir o hábito de colocar na moeda a inscrição alusiva a deus do que o contrário. Parece incontestável que as religiões - sobretudo nos países ocidentais - têm vindo a perder terreno, principalmente entre os mais jovens. Acresce que a imposição de padrões comportamentais parece-me desajustada. Quando alguém que não acredita em deus olha para a moeda e repara na inscrição "in god we trust", há ali um acto confessional que representa uma injunção nas convicções de alguém que não se revê no lema. Decerto poderá o ateu desvalorizar a inscrição, ele que é acusado de padecer da materialização das relações sociais que, para os crentes, é um dos males contemporâneos. Mas poderá não se alhear da inscrição divina que faz do todo um indiferenciado grupo que através da moeda se revê numa confissão religiosa. O contrário não me parece tão violentador: se o lema que sugere a crença colectiva em deus desaparecer da moeda, não será por isso que os crentes serão violentados nas suas convicções. Não é pela omissão que deixam de ser crentes.
A diferença está entre impor um comportamento a alguém que nele não se revê e eliminar uma referência divina (para mais de algo que nada tem a ver com a religião - a moeda), sem que isso constitua uma intrusão nas convicções religiosas de quem as professa.
1 comentário:
eu tenho uma dessa minha vó me deu ela vale ainda espero respota
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