(No dia mundial da poesia)
A poesia é mais que alimento. O que alimenta contem em si desperdício. Só os nutrientes trazem o benefício para o corpo que se alimenta. É o que se passa com a poesia. A poesia é depuração das palavras, como se nela houvesse uma geometria bem definida que as torna límpidas, expurgadas de adereços que tornam o discurso redundante e inútil.
Eu diria que os poetas são os arquitectos da palavra. Jogam com as palavras, exaltam a sua musicalidade. São penhores da reinvenção do discurso, com as fórmulas originais que empregam para expressar sentimentos, descrever emoções, ou apenas retratar a singeleza das coisas. Até na leitura se percebe a vocação especial da poesia: nunca se percebe um poema à primeira leitura. A poesia consome uma atenção singular do leitor. Tantas vezes a catarse do poema exige regressar atrás umas estrofes, repousar noutras e repetir a sua leitura, regressar ao poema dias mais tarde.
Não se deve vindicar um lugar diferente daquele que a poesia ocupa. Desenganem-se os enamorados da poesia, que terão a tentação de aproveitar o dia mundial da poesia para reclamar um altar mais elevado, uma proeminência desavinda dos poetas. A poesia não é a síntese da cultura popular. Não é um espaço ocupado pela democracia da leitura. Só enquanto a poesia permanecer um recôndito lugar que recebe esparsas visitas dos espíritos que nela se saciam é que há-de reter toda a sua grandeza. Por mais que haja perfídia no raciocínio, vejo a poesia como um alcantilado castelo que se protege nas ameias do elitismo. Alguma vez perca a aura de distanciamento, alguma vez entre na sagração do popular, e a poesia perde o seu encanto.
Há no poema um bálsamo que anestesia o espírito para o mundo grotesco que desfila diante dos olhos. É por isso que a poesia é um refúgio, um simulacro tantas vezes idílico contido nas palavras congeminadas, ou apenas a denúncia da escura tez que cobre as pessoas e as coisas. Mesmo que tenha um travo amargo e esconda as dores que açoitam o desconforto da existência, o poema é a sublime forma de trespassar a fealdade das coisas em palavras poderosas, lancinantes por vezes, expondo a dor dilacerante que queima o sangue que nada nas veias. Ou então temos poemas que cantam a manhã fria, as aves que esvoaçam em plácidos voos que parecem proteger quem ambicionava voar, as águas brumosas do rio que se soltam do esquálido manto de nevoeiro.
Às vezes dou conta que a ausência da poesia é um engano que inflijo a mim mesmo. Um esquecimento que me traz de encontro à vilania das coisas e das pessoas, mais os sentimentos que exibem. Não será um encerramento do ser num ilusório mundo, tapando os olhos à verdade que se descerra diante de si. Cada qual parte em demanda do lugar onde há conforto de pertença, o esconderijo que, sendo-o, não é demissão de si mesmo. Apenas um templo onde cada um encontra o que o preenche. A poesia tem esse predicado: um fértil aluvião que me retira do abismo sombrio onde por vezes há a tentação de cair.
Não tenho pejo em dizê-lo: os poetas são os espíritos mais elevados, empossados no desassombro das palavras tecidas. Ora com uma singeleza desarmante, ora com a precisão cirúrgica das palavras que ninguém diria que estão em harmoniosa cumplicidade. A sua grandeza só existe enquanto continuarem remetidos à clandestinidade, ausentes do reconhecimento popular que seria traição da sua essência. Não interessa se são vanguarda; há quem assim os rotule. Na poesia e nos poetas, retenho apenas a diferença como tratam as palavras, como as amontoam em originais estrofes de inebriamento, os festins que saciam pela singeleza de um poema que se acastela em meia dúzia de estrofes, ou o esmagamento interior depois de ler demoradamente um poema que se estende por longas estrofes e complexos versos.
Eu gostava de voltar à infância. Quanto mais não fosse, para poder dizer “quando for grande quero ser”, como tantas vezes o fazem as crianças. Só que o tempo voltasse atrás para então aspirar a condição de poeta quando chegasse a minha vez de ser adulto.
A poesia é mais que alimento. O que alimenta contem em si desperdício. Só os nutrientes trazem o benefício para o corpo que se alimenta. É o que se passa com a poesia. A poesia é depuração das palavras, como se nela houvesse uma geometria bem definida que as torna límpidas, expurgadas de adereços que tornam o discurso redundante e inútil.
Eu diria que os poetas são os arquitectos da palavra. Jogam com as palavras, exaltam a sua musicalidade. São penhores da reinvenção do discurso, com as fórmulas originais que empregam para expressar sentimentos, descrever emoções, ou apenas retratar a singeleza das coisas. Até na leitura se percebe a vocação especial da poesia: nunca se percebe um poema à primeira leitura. A poesia consome uma atenção singular do leitor. Tantas vezes a catarse do poema exige regressar atrás umas estrofes, repousar noutras e repetir a sua leitura, regressar ao poema dias mais tarde.
Não se deve vindicar um lugar diferente daquele que a poesia ocupa. Desenganem-se os enamorados da poesia, que terão a tentação de aproveitar o dia mundial da poesia para reclamar um altar mais elevado, uma proeminência desavinda dos poetas. A poesia não é a síntese da cultura popular. Não é um espaço ocupado pela democracia da leitura. Só enquanto a poesia permanecer um recôndito lugar que recebe esparsas visitas dos espíritos que nela se saciam é que há-de reter toda a sua grandeza. Por mais que haja perfídia no raciocínio, vejo a poesia como um alcantilado castelo que se protege nas ameias do elitismo. Alguma vez perca a aura de distanciamento, alguma vez entre na sagração do popular, e a poesia perde o seu encanto.
Há no poema um bálsamo que anestesia o espírito para o mundo grotesco que desfila diante dos olhos. É por isso que a poesia é um refúgio, um simulacro tantas vezes idílico contido nas palavras congeminadas, ou apenas a denúncia da escura tez que cobre as pessoas e as coisas. Mesmo que tenha um travo amargo e esconda as dores que açoitam o desconforto da existência, o poema é a sublime forma de trespassar a fealdade das coisas em palavras poderosas, lancinantes por vezes, expondo a dor dilacerante que queima o sangue que nada nas veias. Ou então temos poemas que cantam a manhã fria, as aves que esvoaçam em plácidos voos que parecem proteger quem ambicionava voar, as águas brumosas do rio que se soltam do esquálido manto de nevoeiro.
Às vezes dou conta que a ausência da poesia é um engano que inflijo a mim mesmo. Um esquecimento que me traz de encontro à vilania das coisas e das pessoas, mais os sentimentos que exibem. Não será um encerramento do ser num ilusório mundo, tapando os olhos à verdade que se descerra diante de si. Cada qual parte em demanda do lugar onde há conforto de pertença, o esconderijo que, sendo-o, não é demissão de si mesmo. Apenas um templo onde cada um encontra o que o preenche. A poesia tem esse predicado: um fértil aluvião que me retira do abismo sombrio onde por vezes há a tentação de cair.
Não tenho pejo em dizê-lo: os poetas são os espíritos mais elevados, empossados no desassombro das palavras tecidas. Ora com uma singeleza desarmante, ora com a precisão cirúrgica das palavras que ninguém diria que estão em harmoniosa cumplicidade. A sua grandeza só existe enquanto continuarem remetidos à clandestinidade, ausentes do reconhecimento popular que seria traição da sua essência. Não interessa se são vanguarda; há quem assim os rotule. Na poesia e nos poetas, retenho apenas a diferença como tratam as palavras, como as amontoam em originais estrofes de inebriamento, os festins que saciam pela singeleza de um poema que se acastela em meia dúzia de estrofes, ou o esmagamento interior depois de ler demoradamente um poema que se estende por longas estrofes e complexos versos.
Eu gostava de voltar à infância. Quanto mais não fosse, para poder dizer “quando for grande quero ser”, como tantas vezes o fazem as crianças. Só que o tempo voltasse atrás para então aspirar a condição de poeta quando chegasse a minha vez de ser adulto.
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