9.3.07

O presidente da Petrogal, o cobrador de impostos


Temos a sorte de viver num sítio onde o disparate é visita assídua. Vamos levando a vida com um largo sorriso nos lábios, rindo com as patacoadas de pessoas que deviam pelo menos aparentar alguma inteligência. A primeira reacção que esboço é de atarantamento. Interrogo-me como alguém se enreda nas teias de um raciocínio que desagua na imbecilidade. Passada a primeira reacção, relidas as palavras cretinas, só há lugar à algazarra. Ler uma e outra vez para rir mais e mais. Estes especialistas do disparate são a nata do humorismo que por cá se faz.

O mais recente candidato à entronização na confraria dos disparates é o presidente da Petrogal. Cinzenta personagem, aposto que nada e criada no escol de gestores públicos do bloco central – aqueles especialistas em colocar empresas públicas no vermelho, que vão saltando de sinecura em sinecura, abarbatando salários superiores aos do ministro da tutela, vivendo em cumplicidade com os dois esteios partidários do regime. Este senhor decidiu fazer doutrina em matéria de impostos. Para surpresa de muitos (os atentos), pois que se saiba o presidente da gasolineira nacional não trabalha para o ministério das finanças.

De acordo com a notícia, “Ferreira de Oliveira criticou os portugueses que vão a Espanha abastecer os seus veículos, uma vez que os cidadãos vão pagar os impostos em Espanha e depois usam a nossa rede rodoviária”. Há cobradores de impostos por todo o lado: não é apenas a malta das finanças, zelosos funcionários que perseguem os heróis que escapam aos nefandos impostos. Outros engrossam o rol de sacerdotes do erário público, tão preocupados com o dinheiro que foge dos cofres públicos por causa de “comportamentos censuráveis” de pessoas e empresas.

Alguém devia ter chamado a atenção de Ferreira de Oliveira. De várias coisas. A começar, que ele não é o director geral de contribuições e impostos. Fica-lhe mal a ingerência em assuntos que não são da sua lavra. Em segundo lugar, devia discernir a diferença entre evasão e elisão fiscal. Se no primeiro caso a fuga aos impostos é um atentado às leis estabelecidas, no segundo não há crime: apenas comportamentos que aproveitam as oportunidades da lei, sem pisarem o risco do ilícito.

Terceira observação para despertar Ferreira de Oliveira para a realidade que se lhe escapa: em vez de apontar o dedo acusador aos cidadãos e empresas que se aproveitam da proximidade de postos de abastecimento espanhóis, critique o governo que teima em manter impostos tão elevados sobre os combustíveis. Talvez não perceba, e este governo também não, a diferença de preços é um convite para empresas e cidadãos alegremente subsidiarem os postos de combustível espanhóis. Já houve quem metaforizasse com a alegoria da cenoura e do burro: fazemos as vezes do burro, que vai atrás do engodo da cenoura. Paradoxalmente, o governo atira a cenoura para o quintal do vizinho espanhol, para onde o asno segue em resposta a instintos pavlovianos.

Última chamada de atenção: sua excelência devia perceber que escassos são os cidadãos que auferem o milionário salário de quem se senta na presidência da Petrogal. Se ainda não percebeu, algumas palavras adicionais para reforçar a ideia: para quem vive à míngua, fará sentido descobrir o milagre da poupança de uns dinheiros. Se a poucos quilómetros de distância se encontram combustíveis mais baratos, é crime passar a fronteira? Haja quem refresque a memória de Ferreira de Oliveira: desde 1986, estamos na Europa sem fronteiras. O patriotismo dos impostos, reclamado pelo presidente da Petrogal, estala barato na boca de quem tem um salário milionário. Não creio que a ideia seja simpática a quem ganha apenas o suficiente para sobreviver. Acresce que Ferreira de Oliveira não gasta dinheiro em combustível, quando abastece o depósito do seu (isto é, da empresa) automóvel: as senhas de combustível desoneram-no dessa preocupação.

Por tudo isto, releio as palavras de Ferreira de Oliveira e não consigo parar de rir. E mais me rio ao adivinhar o senhor, garbosamente a emoldurar a notícia no álbum das recordações das aparições públicas, tanto peito inchado. Sem compreender a idiotia que o cobriu. Estas manifestações de patriotismo dos impostos ficam bem num registo de civismo militante, hoje muito em moda. Lamentavelmente, sou pouco dado a estas coisas. A vassalagem que o presidente da Petrogal prestou, obedientemente, à vaca sagrada dos impostos é só uma barata manifestação patrioteira. Saloia.

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