Uma rapariga famosa, filha de milionário e, consta, figura de proa do jet set mundial, anda a contas com a justiça. Ao que pude saber, lendo notícia do Público remetida para a secção das banalidades sociais, a menina é pródiga em tropeçar na justiça. Males de quem nasce em berço de ouro, recebe mimos em excesso em troca de nada de responsabilidade. A menina mimada anda com sérios problemas: pena de quarenta e cinco dias de cadeia para cumprir. Cadeia efectiva, não essa ficção da “pena suspensa” que apenas envergonha o cadastro onde fica registada.
Conta a notícia que a personagem foi apanhada ao volante do seu potente bólide. Isto não é crime. O mesmo não se dirá se a condutora estiver impedida de tomar as rédeas do volante, pois a carta de condução está apreendida. Porventura por confiar nas influências – o estulto brilho social que carrega consigo e as ligações do riquíssimo progenitor, acreditando que o dinheiro compra ilibações. Nas tintas para o crime de conduzir sem o poder fazer, mesmo sabendo que não seria por carência material que podia tirar partido de chauffeur e limusina. Para seu grande azar, uma brigada de trânsito estava no caminho. Prevaricou, duas vezes. A justiça foi célere e implacável: quarenta e cinco dias de reclusão, em espaço exíguo, sem a maquilhagem, as fatuidades costumeiras, as fatiotas bizarras com a assinatura do estilista do momento, os comportamentos aberrantes de estrela social.
Desenganem-se os que acreditaram que Paris Hilton se choramingou assim. Ninguém gosta de arrastar a solidão pela cadeia. Ninguém gosta de se ver privado da liberdade, mesmo os piores meliantes que têm consciência do elevado risco de verem amanhecer o sol partido pelos quadrados das grades quando reiteram no crime. A menina Hilton não será diferente do comum dos mortais. Só que a donzela espantou os espíritos desprevenidos. Terá confessado em tribunal que teimou em conduzir por acreditar que não seria apanhada em falso. E, mesmo que o fosse, o seu estatuto de patrona do vão estrelato social do planeta chegaria para alquebrar as rígidas dobradiças da justiça. Esqueceu-se que a justiça é cega – metáfora mais que simbólica que, sendo levada sem desvios, faz da justiça a coisa mais democrática de que há conhecimento, pois tubarões e pequenas sardinhas apanham pela mesma medida quando deixam o patamar da delinquência intuída e pisam o terreno do ilícito.
À menina Hilton saíram as voltas trocadas. O crime foi detectado. E julgado foi, com condenação sem mesuras. Os tais quarenta e cinco dias de enclausuramento, que é para a menina aprender que em sociedades que se vangloriam da sua superioridade, um dos esteios é a cegueira da justiça. Agora, em prantos, acha-se injustiçada. Que não pode, nem deve, dar com os ossos na prisão porque assim se ausenta um dos holofotes do mediatismo social, para grande desgosto de um numeroso séquito que lhe presta as devidas genuflexões. Perorou: o mundo há-de ficar acabrunhado e acidulado, porque nos longos dias de cárcere ficará privado da sua estonteante beleza.
Eu que, tão dado a estas coisas do mundo cor-de-rosa, se me cruzasse com Paris Hilton nem sabia que a cara condizia com o nome, declaro que os quarenta e cinco dias de reclusão não constituem sacrifício nem jejum de beleza feminina. Porém, registei a inovadora retórica: dir-se-ia que as beldades que emprestam brilho especial à estética teriam estatuto de privilégio, com a justiça dos mortais a passar ao seu lado. Como se a sua luzente beleza as investisse numa divina condição – e às deusas não se aplica a justiça terrena, pois não? Retumbante.
Da bizarria fica uma lição: a beleza de alguém passaria a ser bem público (caso vingasse a patética pretensão da menina Hilton). Por outras palavras: quem é agraciado com o dom da estética e enfeita revistas mundanas, devia merecer tratamento a condizer. Um atributo individual seria objecto de apropriação colectiva. Como se a beleza desarmante entrasse no rol do património público. A beleza cumpriria uma inestimável função social. Quantas pessoas, cegadas pela beleza imparável destas prima donas, se sentem reconfortadas ao saberem que há no mundo gente tão bonita? Uma multidão que se engalfinha para ver as sobredotadas da beleza passar entre os mastodônticos gorilas que impedem o acesso dos fãs às imediações do chão calcado pelos seus dóceis pés.
A menina Hilton padecerá de um patogénico ensimesmamento. Ou de um colossal apedeutismo. Ou de ambos. É nestas alturas que abdico da repulsa congénita ao ideário da igualdade: há momentos em que nenhuma condição especial chega para afugentar os incómodos ventos da justiça que leis com aplicação heterogénea. Nisso, os predestinados (ou os que disso se auto-convencem) são da mesma igualha da maralha.
Conta a notícia que a personagem foi apanhada ao volante do seu potente bólide. Isto não é crime. O mesmo não se dirá se a condutora estiver impedida de tomar as rédeas do volante, pois a carta de condução está apreendida. Porventura por confiar nas influências – o estulto brilho social que carrega consigo e as ligações do riquíssimo progenitor, acreditando que o dinheiro compra ilibações. Nas tintas para o crime de conduzir sem o poder fazer, mesmo sabendo que não seria por carência material que podia tirar partido de chauffeur e limusina. Para seu grande azar, uma brigada de trânsito estava no caminho. Prevaricou, duas vezes. A justiça foi célere e implacável: quarenta e cinco dias de reclusão, em espaço exíguo, sem a maquilhagem, as fatuidades costumeiras, as fatiotas bizarras com a assinatura do estilista do momento, os comportamentos aberrantes de estrela social.
Desenganem-se os que acreditaram que Paris Hilton se choramingou assim. Ninguém gosta de arrastar a solidão pela cadeia. Ninguém gosta de se ver privado da liberdade, mesmo os piores meliantes que têm consciência do elevado risco de verem amanhecer o sol partido pelos quadrados das grades quando reiteram no crime. A menina Hilton não será diferente do comum dos mortais. Só que a donzela espantou os espíritos desprevenidos. Terá confessado em tribunal que teimou em conduzir por acreditar que não seria apanhada em falso. E, mesmo que o fosse, o seu estatuto de patrona do vão estrelato social do planeta chegaria para alquebrar as rígidas dobradiças da justiça. Esqueceu-se que a justiça é cega – metáfora mais que simbólica que, sendo levada sem desvios, faz da justiça a coisa mais democrática de que há conhecimento, pois tubarões e pequenas sardinhas apanham pela mesma medida quando deixam o patamar da delinquência intuída e pisam o terreno do ilícito.
À menina Hilton saíram as voltas trocadas. O crime foi detectado. E julgado foi, com condenação sem mesuras. Os tais quarenta e cinco dias de enclausuramento, que é para a menina aprender que em sociedades que se vangloriam da sua superioridade, um dos esteios é a cegueira da justiça. Agora, em prantos, acha-se injustiçada. Que não pode, nem deve, dar com os ossos na prisão porque assim se ausenta um dos holofotes do mediatismo social, para grande desgosto de um numeroso séquito que lhe presta as devidas genuflexões. Perorou: o mundo há-de ficar acabrunhado e acidulado, porque nos longos dias de cárcere ficará privado da sua estonteante beleza.
Eu que, tão dado a estas coisas do mundo cor-de-rosa, se me cruzasse com Paris Hilton nem sabia que a cara condizia com o nome, declaro que os quarenta e cinco dias de reclusão não constituem sacrifício nem jejum de beleza feminina. Porém, registei a inovadora retórica: dir-se-ia que as beldades que emprestam brilho especial à estética teriam estatuto de privilégio, com a justiça dos mortais a passar ao seu lado. Como se a sua luzente beleza as investisse numa divina condição – e às deusas não se aplica a justiça terrena, pois não? Retumbante.
Da bizarria fica uma lição: a beleza de alguém passaria a ser bem público (caso vingasse a patética pretensão da menina Hilton). Por outras palavras: quem é agraciado com o dom da estética e enfeita revistas mundanas, devia merecer tratamento a condizer. Um atributo individual seria objecto de apropriação colectiva. Como se a beleza desarmante entrasse no rol do património público. A beleza cumpriria uma inestimável função social. Quantas pessoas, cegadas pela beleza imparável destas prima donas, se sentem reconfortadas ao saberem que há no mundo gente tão bonita? Uma multidão que se engalfinha para ver as sobredotadas da beleza passar entre os mastodônticos gorilas que impedem o acesso dos fãs às imediações do chão calcado pelos seus dóceis pés.
A menina Hilton padecerá de um patogénico ensimesmamento. Ou de um colossal apedeutismo. Ou de ambos. É nestas alturas que abdico da repulsa congénita ao ideário da igualdade: há momentos em que nenhuma condição especial chega para afugentar os incómodos ventos da justiça que leis com aplicação heterogénea. Nisso, os predestinados (ou os que disso se auto-convencem) são da mesma igualha da maralha.
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