1.5.07

Anacronismos sindicais


Todos os lugares têm o seu folclore. Explica idiossincrasias e fornece o fio à meada a atrasos e lamentos sem remissão. O dia do trabalhador é a efeméride ideal para dissecar os sindicatos a que temos direito. Algum dia hão-de entrar para os almaços etnográficos, com um capítulo próprio dentro da parte dedicada ao folclore nacional.

Saber se faz sentido dedicar um feriado ao trabalhador pertence ao domínio da controvérsia. Por mais que haja muita gente a dar como adquirido o contrário – que isto não é sequer controvérsia, tal a dimensão de “direito adquirido” que o dia do trabalhador conquistou – desenganem-se: há quem pense o contrário, o que basta para trazer o assunto para o alpendre da controvérsia. Lamento desiludir todos aqueles que se esforçam por cimentar um pensamento unânime, sem lugar a dissidências. Da mesma forma que aceito que haja quem veja no 1º de Maio uma vaca sagrada, exige-se tolerância do lado contrário, o mesmo espírito de compreensão em relação a quem tenha opinião diferente. Senão as palavras que enfeitam pregões não passam de retórica vã. Uma falsa liberdade.

Perco-me de amores pelos personagens que dão vida e cor ao sindicalismo caseiro. Os heróis vão-se enquistando no tempo, que o sindicalismo é arte demorada e a sucessão geracional tarda. À medida que os anos se escoam, as mesmas caras repetem-se na oratória sindical, nas manifestações que esgotam pregões exauridos. As mesmas caras; com mais rugas, cabelos brancos, ou adiposidades indisfarçáveis. Ausentes estão as gerações mais novas, o que faz supor que o sindicalismo lusitano está à beira do colapso. Olha-se para os últimos trinta anos e nota-se a oligarquia. É verdade que os tubarões de outrora deram lugar a outras caras, o que não significou renovação da classe. Judas deixou-se seduzir pelo poder autárquico. Torres Couto aburguesou-se, rendido às delícias do capitalismo. Ficaram os sucessores, que se demoram no trono há tanto tempo.

O movimento sindical intelectualizou-se: o sucessor de Judas até está a tirar um doutoramento, para cativar respeitabilidade intelectual à argumentação da CGTP. Demoram a convencer os mais atentos que não são uma correia de transmissão do PCP, com o curioso desdobramento entre a sede do partido e os escritórios do sindicato filiado na CGTP. Quando as câmaras da televisão demandam por opinião sindical, mudam os sectores mas as caras permanecem. A retórica inerte mostra que os sindicalistas pararam no tempo. Admito que tudo se resume à relativização das posições: os defensores dos interesses dos trabalhadores podem alegar que o facto de terem parado no tempo não lhes retira razão. Será a evolução do capitalismo que o trouxe por caminhos pouco aconselháveis. É isso mesmo: um problema de relativização. A começar pela razão, tão relativa. Mas há uma pergunta que me intriga: não serão eles os primeiros interessados na sobrevivência do capitalismo? Existiria sindicalismo tão activo se o capitalismo se amestrasse às convicções ideológicas dos sindicalistas?

Nos últimos tempos deu à costa uma cara nova (nas aparições públicas, não no refrescamento geracional): Ana Avoila, se bem me recordo porta-voz de um sindicato que defende os interesses dos funcionários públicos. A senhora é a antítese do viagra intelectual. Tem verve, com a entoação de sempre, engatilhando o discurso diligentemente treinado, retórica que emprega com zelo palavras que despertam o clique nos sectores mais sensíveis ao género. É o patronato lambão, que só tem olhos para o danoso lucro. O patronato existe para espezinhar os direitos dos trabalhadores. Egoísta, o patronato é indigno porque não respeita compromissos negociais. Aliás, o patronato devia mostrar um espírito aberto para negociações em que, no final, os resultados fossem ditados pelos sindicalistas. Seria como se as empresas e a administração pública fossem geridas pelos habilitados sindicalistas. Eles sabem mais da poda que os empresários (olhando à casta de empresários que por aqui nidificam, não anda longe da verdade, manda o rigor).

Eu, que sou pouco dado a teorias da conspiração, não me convenço que os “patrões” são inimigos dos trabalhadores. Falta-me ginástica mental para conceber o cenário fantasioso de que os “patrões” só querem explorar os trabalhadores. Não sei se os sindicalistas já perceberam que a luta de classes profetizada por Marx e discípulos tem o desmentido da História. As militâncias partidárias fazem o resto. Quando as estratégias partidárias se confundem com sindicalismo, quem perde são os que se julgam representados pela força sindical. São ingénuos instrumentos que vêm engrossar as ruas no clamor popular contra “as políticas de direita” (que são todas, ainda que nada tenham de “direita”).

O meu pesar por eles – pelos trabalhadores que se julgam representados pelos sindicatos politizados. Por estarem tão desprotegidos. Não sei se o 1º de Maio devia ser um dia de luto: pelos trabalhadores enganados pelos sindicatos.

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