Donde respingam as doces gotas vindas das nuvens suaves que se acastelam no céu. Donde há sorrisos fartos, não forçados, uma diferente natureza humana antitética da animalidade que campeia. Donde a racionalidade não tem peias nem se esconde em jogos florais, em simulacro. Donde as flores não morrem, o vento agreste não aleija, a chuva não é praguejada, os passos corridos no chão plano fazem deslizar os pés que não se cansam.
E há felicidade nos rostos das crianças. Será lugar-comum dizer que há, na alvura da sua pele, o repositório de toda a inocência. Será lugar-comum; e, porém, nunca as palavras assim repetidas chegam à exaustão dos sentidos. Porque são a imagem fidedigna de uma natureza humana que se adultera com os anos que passam. Neste contraste inspira-se a essência da felicidade, através da inocência pueril. O envelhecimento enrijece as carnes, dobra as ilusões tecidas num horizonte plácido. E assim que os vestígios de ingenuidade se despedem na perenidade do que já não regressa, entra a animalidade de supetão. Desconfiamos, rangemos os dentes, franzimos o sobrolho, vomitamos o intenso fel que nos corrói as veias. O divórcio da felicidade.
É nas pequenas coisas, nos pequenos gestos, que se insinua a lhaneza de ser feliz. Volta e meia, tropeçamos nas sinuosas curvas que teimamos em semear no meio da lânguida recta diante dos olhos. Cansamo-nos do bem-estar. A felicidade dói. Parece perder o sentido; e uma pulsão trágica acomete sobre nós, num mergulho pelo vertiginoso precipício. Ao tombar, um feixe de luzes traz o arrependimento. Tardio.
Afinal, simples é encontrar a senda da felicidade. Só há que olhar defronte, evitar derivas que desviam a atenção aos cadeados que agrilhoam à doentia câmara escura onde apenas as mãos conseguem tactear rugosas paredes. A felicidade é tudo o contrário do que teimamos em fazer, dia atrás dia, os meses todos do ano, até se consumir uma vida esbulhada. A felicidade é viver. É ter alguém ao nosso lado com têmpera para amparar mágoas quando elas teimam em gritar com estridência. E saber que a pessoa escolhida sabe que há em mim o seu esteio.
Nos pequenos gestos, grandes significados. Um beijo pode ser demiúrgico. Recriar o fôlego que renova a intensidade da vida. Andar por vales e montes, cruzar os ribeiros que trazem das alturas a frescura da água que bate nas rochas e retempera os enamorados de mão dada. Há no bucólico momento a singeleza das viagens compassadas, a intimidade que oxigena uma ternura indizível, que só se sente, não se descreve. Às vezes, o refúgio na solidão de uma divisão da casa não chega a ser solidão. Mesmo quando o espaço constrói uma longínqua parede, toda essa distância é uma ficção. Não vem acantonar a fortuna dos amantes que a lua irradia.
Interessa dissecar a felicidade, como se fosse possível detê-la entre os dedos? Há um elo com o vento: também se escapa entre as mãos, por mais férreas se encerrem ensaiando capturá-lo. A felicidade não é um roteiro, com mapa e tudo, nem há dádiva de uma bússola avisar os caminhos armadilhados pelos espinhos que sangram ou as avenidas deslumbrantes onde ela se sagra, triunfante. Nem é um projecto. É um estado de alma, no púlpito da subjectividade do que é sentido, e diferente, por cada mortal. Às vezes, contento-me com um dia luminoso. Ou com uma ave exótica que esvoaça bem alto, desenhando elipses na coreografia ao siar. Ou com meia dúzia de páginas de um livro, não importa se retemperador ou indiferente. Ou a música, que vagueia entre os antípodas ao sabor do espírito do momento. Às vezes, chega olhar-te ao longe e saber que estarás ao meu lado pela alvorada, no mágico instante em que o simples “bom dia” é a renovação de tudo. Há surpresas, as desagradáveis e as revelações. O canto onde estão guardadas as pessoas que são o país que habito, por elas habitarem, bem aconchegadas, nesse canto reservado. Em cada dia que passa, saber convocar o discernimento das coisas belas que importam. E varrer para o lado as outras, que entristecem, que angustiam, que enegrecem os dias que se querem claros.
Paradoxalmente, há carência de tristeza e lamentos e lágrimas. Mas só em contados episódios da vida, para não serem punhais lancinantes espetados na carne, que sangra. Paradoxalmente, precisamos da felicidade no seu contrário. Para não esquecer o que é a felicidade. E perceber que o dissídio é uma estúpida lança cravada, e bem fundo, no âmago que mais dói dentro de nós. A felicidade é o campo de flores que se estende, infinito, diante dos olhos. Lá, onde as colhemos e semeamos, para que o porvir não venha exaurido destas perfumadas flores que recriam a existência.
E há felicidade nos rostos das crianças. Será lugar-comum dizer que há, na alvura da sua pele, o repositório de toda a inocência. Será lugar-comum; e, porém, nunca as palavras assim repetidas chegam à exaustão dos sentidos. Porque são a imagem fidedigna de uma natureza humana que se adultera com os anos que passam. Neste contraste inspira-se a essência da felicidade, através da inocência pueril. O envelhecimento enrijece as carnes, dobra as ilusões tecidas num horizonte plácido. E assim que os vestígios de ingenuidade se despedem na perenidade do que já não regressa, entra a animalidade de supetão. Desconfiamos, rangemos os dentes, franzimos o sobrolho, vomitamos o intenso fel que nos corrói as veias. O divórcio da felicidade.
É nas pequenas coisas, nos pequenos gestos, que se insinua a lhaneza de ser feliz. Volta e meia, tropeçamos nas sinuosas curvas que teimamos em semear no meio da lânguida recta diante dos olhos. Cansamo-nos do bem-estar. A felicidade dói. Parece perder o sentido; e uma pulsão trágica acomete sobre nós, num mergulho pelo vertiginoso precipício. Ao tombar, um feixe de luzes traz o arrependimento. Tardio.
Afinal, simples é encontrar a senda da felicidade. Só há que olhar defronte, evitar derivas que desviam a atenção aos cadeados que agrilhoam à doentia câmara escura onde apenas as mãos conseguem tactear rugosas paredes. A felicidade é tudo o contrário do que teimamos em fazer, dia atrás dia, os meses todos do ano, até se consumir uma vida esbulhada. A felicidade é viver. É ter alguém ao nosso lado com têmpera para amparar mágoas quando elas teimam em gritar com estridência. E saber que a pessoa escolhida sabe que há em mim o seu esteio.
Nos pequenos gestos, grandes significados. Um beijo pode ser demiúrgico. Recriar o fôlego que renova a intensidade da vida. Andar por vales e montes, cruzar os ribeiros que trazem das alturas a frescura da água que bate nas rochas e retempera os enamorados de mão dada. Há no bucólico momento a singeleza das viagens compassadas, a intimidade que oxigena uma ternura indizível, que só se sente, não se descreve. Às vezes, o refúgio na solidão de uma divisão da casa não chega a ser solidão. Mesmo quando o espaço constrói uma longínqua parede, toda essa distância é uma ficção. Não vem acantonar a fortuna dos amantes que a lua irradia.
Interessa dissecar a felicidade, como se fosse possível detê-la entre os dedos? Há um elo com o vento: também se escapa entre as mãos, por mais férreas se encerrem ensaiando capturá-lo. A felicidade não é um roteiro, com mapa e tudo, nem há dádiva de uma bússola avisar os caminhos armadilhados pelos espinhos que sangram ou as avenidas deslumbrantes onde ela se sagra, triunfante. Nem é um projecto. É um estado de alma, no púlpito da subjectividade do que é sentido, e diferente, por cada mortal. Às vezes, contento-me com um dia luminoso. Ou com uma ave exótica que esvoaça bem alto, desenhando elipses na coreografia ao siar. Ou com meia dúzia de páginas de um livro, não importa se retemperador ou indiferente. Ou a música, que vagueia entre os antípodas ao sabor do espírito do momento. Às vezes, chega olhar-te ao longe e saber que estarás ao meu lado pela alvorada, no mágico instante em que o simples “bom dia” é a renovação de tudo. Há surpresas, as desagradáveis e as revelações. O canto onde estão guardadas as pessoas que são o país que habito, por elas habitarem, bem aconchegadas, nesse canto reservado. Em cada dia que passa, saber convocar o discernimento das coisas belas que importam. E varrer para o lado as outras, que entristecem, que angustiam, que enegrecem os dias que se querem claros.
Paradoxalmente, há carência de tristeza e lamentos e lágrimas. Mas só em contados episódios da vida, para não serem punhais lancinantes espetados na carne, que sangra. Paradoxalmente, precisamos da felicidade no seu contrário. Para não esquecer o que é a felicidade. E perceber que o dissídio é uma estúpida lança cravada, e bem fundo, no âmago que mais dói dentro de nós. A felicidade é o campo de flores que se estende, infinito, diante dos olhos. Lá, onde as colhemos e semeamos, para que o porvir não venha exaurido destas perfumadas flores que recriam a existência.
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