12.7.07

A desnorte


Na gravidade do momento, disse: vivemos mergulhados numa profunda crise de identidade. Desconhecemos as raízes e não curamos de saber qual o destino. Algo lhe diz que entregámos a bússola a um desapiedado filisteu que nos leva na contingência do dia que corre. O porvir merece um tremendo desprezo. A crise de identidade está na deriva de sentido, apoderados pela desorientação do significado da vida. E convocava à purificação das almas, guiadas pela exigência do desapossamento das coisas materiais. Em vez de errarmos por estima.

Aos sacerdotes apresenta-se um combate problemático. Jovens e menos jovens, uns pela facilidade anti-higiénica dos prazeres que se consomem na voracidade do instante, outros pela cedência ao cepticismo militante, outros pela sucessão de desapontamentos vividos, outros ainda porque apenas desistiram da idílica visão que convoca os sentidos – a multidão que se afasta dos altares da metafísica. Se há crise de identidade, é uma demissão da religiosidade das pessoas. Haverá nos curadores da religião uma decepção que semeia a amargura de quem sente os sedimentos da derrota no combate pela evangelização perene. Podem as convicções pessoais, a fé que os norteia, ser a centelha que incendeia o caminho que julgam certo. Sabem, sacerdotes e crentes, que prosseguem ordeiros sem cederem às mãos trémulas que os desviem desse caminho. Aos demais, tresmalhados, resta um mundo de trevas, tão escuro como a câmara hermética que apenas deixa ver a luz ténue, a luz de um dia que se segue ao outro.

Não sei se a crise de identidade é sinal de demissão da espiritualidade. Não sei se os sacerdotes se dão conta do esvaziamento dos templos e auguram a diluição do filão das religiões – a multidão que acata os dogmas, no império de uma fé que amedronta, por mais que os rudimentos espalhados aos quatro ventos sejam profissões de bondade e de esperança. O que me perturba é a prédica de bondade dos sacerdotes quando um ente querido viu a vida prematuramente ceifada. Podem as palavras ecoadas trinar melodias suaves, impregnadas de uma esperança eterna; podem essas palavras apelar à memória do falecido, e dizer-se que a convocação da memória é prova de que a pessoa ida vive presente entre nós, memórias como esteios da intemporalidade.

Essa perenidade, diz-se, é o sentido sublime da vida, da vida que se desprende da materialidade do corpo e presta tributo à imortalidade do espírito. Eu diria: apenas um punhal cravado na dor de quem chora a vida perdida. O discurso esperançoso desvela um enorme campo promissor. Os passos cansam ao longo desse campo fértil em promessas. A névoa permanente, que parece esconder o lugar idílico que algures se há-de revelar, não deixa de carpir as suas lágrimas que se juntam às lágrimas vertidas por quem sofre pela ausência. As promessas de um campo florido, cheio de cores garridas e rosas perfumadas, adiadas pela névoa que teima em ofuscar o horizonte. Essa névoa deita-se sobre o campo afinal árido. As palavras carregadas de esperança, tónico que serena as almas despedaçadas pela morte de alguém, são a névoa que anestesia as dores que incendeiam as veias.

Da crise de identidade fará parte a descrença nesta vida que se desprende da exiguidade terrena. São os alpendres dos cépticos, daqueles que só crêem na temporalidade do corpo, que entronizam a crise de identidade. Não aprendi ainda a discernir se é demissão de espiritualidade o desapego pela identidade servida em bandeja envenenada pelos sacerdotes. Não sei se o envelhecimento e os tantos espinhos que se foram cravando nos ponteiros do tempo maceraram a intrepidez pelo tempo que os meus dedos conseguem agarrar. Poderá ser a angústia do agnóstico perante a morte, perante cada episódio de morte que lhe bate no peito, a amadurecer a terrível reverência pela vida. Não me interessa saber o que me trouxe até aqui, nem menos devotar esperanças no volúvel trajecto prometido quando os olhos se fecharem.

Se é crise de identidade sagrar a vida que se vive, nem que seja na temporalidade do dia presente, é nessa crise que quero habitar. Quando pela morte alheia vem a multiplicação de promessas vãs, a vacuidade de uma vida eterna que não me provam real, olho para a vida tão pueril das crianças e se ergue ao alto a sagração da vida que os meus olhos vêem e sentem.

2 comentários:

Anónimo disse...

Sera que a verdade vira como o azeite !!! ao de cima??? no porto mais propiamente nas antas consta-se que os filmes são de terror pois as mafias do porto começaram a estender-se com os braços tais, que mais parecem um POLVO.Mas a justiça em Portugal e so para pe descalço e pobre , os colarinhos branco não se podem tocar pois acaba a CORRUPÇAO NO PORTO...

Anónimo disse...

Mas á Justiça precisa ajudar a fazer Justiça.