6.7.07

É a globalização, estúpido! (Ou: Mao-Tsé-Tung era benfiquista)


Notícias fresquinhas sobre o “grandioso” Benfica. E bombásticas. Uma semana de emoções para tantos exemplares pais de família (como sabemos, só o são – exemplares – se tiverem cartão de sócio, ou pelo menos simpatia, pelo Benfica). Início de época, que é quando as esperanças ainda fazem sentido. Um equipamento cor-de-rosa, levando todos os marialvas pais de família a reconsiderarem opções estéticas: de agora em diante, o cor-de-rosa trajado por másculos varões deixa de ser sinónimo de homossexualidade, declarada ou apenas recalcada. O efeito Benfica é esplendoroso.

Já o clube andava na ribalta – como se fosse possível ao “maior clube do mundo” deixar de o andar – quando ao “comendador” das artes e de mil e um negócios apeteceu fazer uma OPA sobre a “instituição”. Do alto da habitual incontinência verbal, Berardo advertiu que o Benfica tem que ser catapultado para o estrelato mundial. Se for descontado o efeito apatetado da incontinência verbal do “comendador”, há algo que me deixa perplexo: se o Benfica já é o “maior clube do mundo”, porquê cuidar de fazer dele ainda maior? (E que me seja perdoado o excesso de aspas, mas o tema de hoje e as expressões vulgarizadas a respeito dele assim o exigem.)

Hoje de manhã, enquanto o pequeno-almoço seguia a caminho do estômago, ia lendo as notícias semeadas noite fora. Parangonas todas para a bombástica notícia: um grupo de investidores chineses dobrou a oferta de Berardo na OPA ao Benfica. Enquanto o pequeno-almoço continuava a sua marcha maquinal para o estômago, não resisti a imaginar a indigestão que a notícia provocará na “nação benfiquista” (outro sonso lugar-comum que a imprensa desportiva consagrou, daí que apareça grafada). Os chineses vão comprar “o maior clube do mundo”?! Não pode ser, dirão em coro os pressurosos benfiquistas, preocupados com a adulteração da “instituição”. Alguns, ainda desconfortáveis com a bichice do equipamento cor-de-rosa, começam agora a juntar as pontas do enigma, ideando uma teoria da conspiração. Hão-de descobrir que os chineses estão detrás da trama cor-de-rosa, feitos que estão com a marca de equipamentos. O que virá a seguir: o presidente do FC Porto sócio do Benfica, com direito a medalha de honra e tudo?

O dia de hoje há-de ser fértil em manobras de bastidores. Reuniões secretas, telefonemas em desmultiplicação, muita gente de mãos à cabeça recusando ver o Benfica comprado por chineses. A classe política será chamada à colação. Para desdita dos apaniguados do “maior clube do mundo”, Sampaio já não é o presidente da república. Fosse-o ainda e seria aliado privilegiado: o felizmente ex-presidente da república patrocinou o relambório dos centros de decisão económica que devem permanecer em território pátrio. Sobra o primeiro-ministro, adepto da “instituição”. Decerto sensível à catástrofe que se anuncia. E que deve ser evitada. Qual presidência do Conselho da União Europeia: o Benfica sobrepõe-se em importância.

As pressões sucedem-se. Não valerá a pena insistir muito com o “comendador”. O amor benfiquista não chega para derrotar o ror de dinheiro dos chineses. Berardo fará as suas contas: impensável dobrar a oferta pelas acções do “grandioso”. Maldito dinheiro, que vergas o fátuo “amor benfiquista”. Restam os políticos. Faça-se lei a impedir expressamente a aquisição do Benfica por estrangeiros – e, quanto mais remota for a origem dos estrangeiros, maiores os obstáculos à alienação. Há-de fazer história o patriotismo económico e clubista, para gáudio dos arautos da desgraça que não se cansam de condenar a nefanda globalização. Um pequeno país, de parcos recursos, há-de mobilizar o amor clubista e derrotar o poder do capital sem rosto. Vingam as tradições sobre o poder apodrecido do dinheiro que se convence que tudo compra. O “grandioso” há-de ser uma ilha que resiste à alterosa maré da globalização. Pois é a globalização o instrumento que alimenta o chamariz Benfica. Os benfiquistas até deviam estar orgulhosos: os chineses não querem comprar nenhum dos clubes rivais, só querem ficar com o Benfica na mão.

Eu diria que faz todo o sentido que o “maior clube do mundo” seja açambarcado por capitalistas chineses. Como “maior clube do mundo”, é óbvio que o Benfica é o clube do povo, o mais popular. O povo é defendido pelo comunismo, como sabemos. Os chineses vêm de um país onde o comunismo ainda resiste. Pena que este ano o Benfica tenha perdido um jogador italiano que, envaidecido, ostentava tatuagem de Che Guevara numa perna. O ramalhete estava completo.

(Só uma correcção: não sei se esta agremiação é, como cansativamente nos enchem os ouvidos, “o maior clube do mundo”. O que sei é que neste rectangulozinho na ponta ocidental na Europa há um clube que tem mais sócios que o Benfica: o Automóvel Clube de Portugal. As estatísticas são como o algodão: não enganam.)

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