24.7.07

Quando a verdade leva à crucificação


A fronteira entre verdade e mentira, sempre tão esguia. A diferença entre a mentira ostensiva e a mentira que não o chega a ser pelo triunfo do silêncio – as omissões que apascentam a mentira que se insinua nas palavras não proferidas. E há as verdades incómodas, que de serem ditas arrastam quem as disse para o sarcófago da censura social, como se fosse preferível a mentira à verdade impertinente.

Quando tanto se fala da ténue fronteira entre verdade e mentira na política, e quando se denuncia a crise do regime por causa de mentiras despudoradas cirurgicamente compostas como verdades insofismáveis, eis que tudo se confunde ainda mais com um episódio passado em Inglaterra. Uma ministra confessou que há trinta anos fumou uns cigarros de haxixe. Foi o reboliço. Que os partidos da oposição se tenham, com oportunismo, colado às afirmações para tirarem proveito, é compreensível: estão no seu papel. O que se não entende é o moralismo ofendido dos que ficaram incomodados ao saberem que uma governante teve desvarios de juventude que a trouxeram pelos caminhos do ilegal. E que ilegalidade, esta de fumar haxixe!

Qual é o mal de um político confessar que fumou uns charros há trinta anos? Pelos vistos, é preferível a mentira. Talvez a senhora ministra devesse responder ao imperativo dos bons costumes, que um ministro deve ter um passado impoluto para dar o bom exemplo aos jovens e para recato de consciência dos da sua idade. Se necessário for, recompõe-se o passado, com uns pozinhos de reconstrução histórica que emprega o receituário estalinista. Os governantes têm que exibir um passado impoluto. Não lhes é reconhecido o direito ao pecado em tempos idos, nem o percurso por caminhos ínvios aos olhos da moral e dos bons costumes. Se por acaso o governante foi recauchutado de um passado tresmalhado, não convém que se saiba para sossego das almas atormentadas com a governação pacífica do reino.

Uma mentira necessária, portanto. Que não deixa de ser uma mentira. Não vejo que uma mentira, só por ser necessária, deixe de trazer consigo a perfídia da intrujice. É em momentos destes que apetece parar para reflectir no que se passa em redor: e reconsiderar os valores, porque somos convidados a essa revalidação. Ao que parece, a categoria da “mentira necessária” encaixa-se melhor na tranquilidade social do que a categoria da “verdade incómoda”. Porque a primeira é necessária e a segunda traz a incomodidade a certos espíritos, transforma-se a escala de valores para fazer a vénia à mentira e cercear a verdade. Os bons costumes vitorianos (que se entaramelam com um código contemporâneo de vida que resvala para a devassidão) ficaram boquiabertos com a frontalidade da senhora ministra. Tudo se resume à censura social que dilui as capacidades de alguém só porque essa pessoa foi honesta ao ponto de confessar que teve os seus pecadilhos na juventude.

O mau exemplo vem da reacção vitoriana. Na voragem da competição política, onde os aspirantes à ascensão na hierarquia das sinecuras não olham a meios para atingir fins, há-de vingar a mentira como preceito habitual. Aqueles que tiveram excessos juvenis ao arrepio das convenções sociais e das leis anacrónicas saberão que não os podem confessar. Saberão que devem dar de si uma imagem imaculadamente pura, asséptica, como se todos tivessem sido meninos e meninas exemplares. Têm que mentir. Serão, os mentirosos, os premiados no mercado da política onde interagem com a audiência dos governados, que preferem a mentira necessária à verdade incómoda.

A escala de valores sofre mutações, sinal de uma vitalidade social que se aplaude. Todavia, não posso deixar calar alguma perplexidade perante a inversão de valores e de como as pessoas reagem a despropósito perante minudências e se calam perante atentados. Não muitos se insurgiram contra o passado pouco recomendável de Joschka Fischer, ministro dos negócios estrangeiros do governo alemão liderado por Gerhard Schröder. Na juventude, enquanto activista de extrema-esquerda, esteve envolvido em violentas acções que não andavam longe do terrorismo. Reconverteu-se – e quem não tem direito à reconversão ideológica? Tirando os adversários movidos por interesses partidários, poucos questionaram o passado de Joschka Fischer. Mais grave será o devaneio juvenil de uma ministra britânica que fumou uns charros, essa coisa tão grave.

Moralismos impenitentes fazem dos seus sacerdotes os arautos da hipocrisia latente. Da hipocrisia que nos cerca, impante, tão ciosa de exercer a vigilância voyeurista sobre os outros. Tenho para mim que aqueles que tanto se afadigam em ajuizar os outros e exercer sobre eles os padrões da moralidade vigente, são os que se embrenham numa existência viciosa.

1 comentário:

Anónimo disse...

A minha dor e revolta não e essa , e saber que lutando uma vida ,contra fatos e argumentos ,neste pais ,PORTUGAL ,chego ao fim da estrada da vida e o que digo . Portugal dos corruptos, dos iluminados dos (EUROS)dos pobres cada vez mais pobres e de um PAIS dividido que nem a familia sabem respeitar , sim senhor valeu a pena ser SERIO lutar por um pais(africa)que se chama PORTUGAL.. Deus nos salve E SALVEM PORTUGAL....