Estou à vontade para satirizar o transexual que foi em tempos rei da montanha na volta à França em bicicleta. Em minha defesa, e contra a possível ira do lobby gay, posso arrolar textos (vertidos neste blogue) em favor da liberdade de opções sexuais, sobretudo das que controversamente têm o rótulo de “alternativas”. Até cheguei a apoiar a adopção por casais homossexuais, o que de mim faria um reles traidor à normalidade conservadora e ao garbo marialva.
Hoje não resisto a elaborar sobre uma história alucinante que vinha nas páginas do Diário de Notícias de anteontem: um ciclista, um másculo ciclista prenhe de músculos disformes, que em tempos foi apanhado num controlo antidoping por excesso de testosterona, mudou de sexo. Andou desaparecido anos e anos. Até faltou a uma gala que o galardoava por relevantes feitos desportivos. Ninguém sabia dele. Quase por magia, como se fosse possível ao corpo humano evaporar-se no meio das nuvens altivas. Robert Millar deu à costa com um novo bilhete de identidade: Philippa York.
O libertário não tem preconceitos deste género. Aceita as opções individuais, quaisquer que sejam. Daí que as palavras que se seguem (depois deste parágrafo) não devem ser treslidas: não há, nem pode haver, censura à decisão que pertence à intimidade da agora senhora Philippa York. Sinto um profundo respeito pelos transexuais: primeiro, pelo mortificante dilema interior, ao terem a certeza que vivem dentro de um corpo que corresponde ao sexo errado; e depois pela coragem de assumirem a mudança de sexo, logo objecto de chacota social, merecendo do povo comum reprovação apressada, os transexuais metidos na gaveta das aberrações que não merecem sequer complacência social. Que estas palavras sirvam a minha absolvição perante a intransigente LGBT. Um pouco de sátira engrandece a causa que dizem servir. Ou isso, ou um mergulho nas águas pantanosas da intolerância, acusação que afinal esgrimem contra aqueles que não aceitam a coligação arco-íris.
Não é pelo caminho da troça mundana que vou. Há algo mais tonitruante: Robert Millar, perdão, Philippa York vive pacatamente numa pequena localidade rural no sudoeste de Inglaterra, quase onde o remoto País de Gales começa. No regaço da sua namorada, rezam as notícias (rezam só a propósito da “namorada”, não do “regaço” – que esse é da minha lavra). Como diria o povo, “juro pela minha saudinha” que não fiquei chocado com a mudança de sexo do trepador (termo técnico do ciclismo que retrata especialistas em escalar terrenos empinados, serra acima). Só fiquei confuso com a mudança de sexo e a partilha de vida com uma namorada. (Falta um detalhe importante: a namorada existia antes da mudança de sexo, ou só entrou na vida de Millar depois de se passar a chamar Philippa York?)
Nada melhor que o amadurecimento do tempo para temperar reacções espontâneas. Ao início, fiquei atónito: um homem fez-se mulher para partilhar o tecto com outra mulher! Foi então que dei conta que estava a ser atraiçoado pelo tabu heterossexual: a mudança de sexo só fará sentido, pensa o heterossexual ponderado, quando corresponde à atracção pelo sexo diferente daquele que o transexual passa a envergar. Ensaio uma fórmula para decifrar o enigma acabado de descrever: se um homem se transforma em mulher, presume-se que no seu renovado corpo de mulher se sente sexualmente atraído(a) por alguém do sexo diferente, neste caso, um homem.
Saltadas as barreiras do preconceito heterossexual, admito que é normal a um transexual viver com alguém de sexo diferente ou do mesmo sexo. O que me perturba é a confluência de atritos pessoais que gravitam na cabeça do transexual. Eis as hipóteses. Primeira: o homem passa a ser mulher e coabita com um homem. Diagnóstico possível: a juntar ao desgosto pelo sexo que a concepção uterina lhe trouxe, uma homossexualidade recalcada? Ou o desejo de se libertar dessa homossexualidade? Respectivamente: a fuga para o corpo feminino é pretexto para assumir a homossexualidade que passa a estar escondida no corpo transformado em mulher? Ou para se entregar finalmente à heterossexualidade que rejeitava enquanto era homem? Segunda hipótese, o protótipo Millar (perdão, Philippa York): o homem faz-se mulher e partilha os lençóis com outra mulher.
Especialistas em decifrar os enigmas da labiríntica mente humana decerto encontram explicações fáceis. Ao leigo, só foi possível avistar a seguinte: Millar gosta tanto, tanto de mulheres, que deixou para trás o corpo masculino e amantizou-se com uma mulher. Não consigo conceber maneira mais expressiva de exibir devoção por mulheres. Tanto que até alterou a preferência sexual depois de ter abdicado da sua masculinidade.
Hoje não resisto a elaborar sobre uma história alucinante que vinha nas páginas do Diário de Notícias de anteontem: um ciclista, um másculo ciclista prenhe de músculos disformes, que em tempos foi apanhado num controlo antidoping por excesso de testosterona, mudou de sexo. Andou desaparecido anos e anos. Até faltou a uma gala que o galardoava por relevantes feitos desportivos. Ninguém sabia dele. Quase por magia, como se fosse possível ao corpo humano evaporar-se no meio das nuvens altivas. Robert Millar deu à costa com um novo bilhete de identidade: Philippa York.
O libertário não tem preconceitos deste género. Aceita as opções individuais, quaisquer que sejam. Daí que as palavras que se seguem (depois deste parágrafo) não devem ser treslidas: não há, nem pode haver, censura à decisão que pertence à intimidade da agora senhora Philippa York. Sinto um profundo respeito pelos transexuais: primeiro, pelo mortificante dilema interior, ao terem a certeza que vivem dentro de um corpo que corresponde ao sexo errado; e depois pela coragem de assumirem a mudança de sexo, logo objecto de chacota social, merecendo do povo comum reprovação apressada, os transexuais metidos na gaveta das aberrações que não merecem sequer complacência social. Que estas palavras sirvam a minha absolvição perante a intransigente LGBT. Um pouco de sátira engrandece a causa que dizem servir. Ou isso, ou um mergulho nas águas pantanosas da intolerância, acusação que afinal esgrimem contra aqueles que não aceitam a coligação arco-íris.
Não é pelo caminho da troça mundana que vou. Há algo mais tonitruante: Robert Millar, perdão, Philippa York vive pacatamente numa pequena localidade rural no sudoeste de Inglaterra, quase onde o remoto País de Gales começa. No regaço da sua namorada, rezam as notícias (rezam só a propósito da “namorada”, não do “regaço” – que esse é da minha lavra). Como diria o povo, “juro pela minha saudinha” que não fiquei chocado com a mudança de sexo do trepador (termo técnico do ciclismo que retrata especialistas em escalar terrenos empinados, serra acima). Só fiquei confuso com a mudança de sexo e a partilha de vida com uma namorada. (Falta um detalhe importante: a namorada existia antes da mudança de sexo, ou só entrou na vida de Millar depois de se passar a chamar Philippa York?)
Nada melhor que o amadurecimento do tempo para temperar reacções espontâneas. Ao início, fiquei atónito: um homem fez-se mulher para partilhar o tecto com outra mulher! Foi então que dei conta que estava a ser atraiçoado pelo tabu heterossexual: a mudança de sexo só fará sentido, pensa o heterossexual ponderado, quando corresponde à atracção pelo sexo diferente daquele que o transexual passa a envergar. Ensaio uma fórmula para decifrar o enigma acabado de descrever: se um homem se transforma em mulher, presume-se que no seu renovado corpo de mulher se sente sexualmente atraído(a) por alguém do sexo diferente, neste caso, um homem.
Saltadas as barreiras do preconceito heterossexual, admito que é normal a um transexual viver com alguém de sexo diferente ou do mesmo sexo. O que me perturba é a confluência de atritos pessoais que gravitam na cabeça do transexual. Eis as hipóteses. Primeira: o homem passa a ser mulher e coabita com um homem. Diagnóstico possível: a juntar ao desgosto pelo sexo que a concepção uterina lhe trouxe, uma homossexualidade recalcada? Ou o desejo de se libertar dessa homossexualidade? Respectivamente: a fuga para o corpo feminino é pretexto para assumir a homossexualidade que passa a estar escondida no corpo transformado em mulher? Ou para se entregar finalmente à heterossexualidade que rejeitava enquanto era homem? Segunda hipótese, o protótipo Millar (perdão, Philippa York): o homem faz-se mulher e partilha os lençóis com outra mulher.
Especialistas em decifrar os enigmas da labiríntica mente humana decerto encontram explicações fáceis. Ao leigo, só foi possível avistar a seguinte: Millar gosta tanto, tanto de mulheres, que deixou para trás o corpo masculino e amantizou-se com uma mulher. Não consigo conceber maneira mais expressiva de exibir devoção por mulheres. Tanto que até alterou a preferência sexual depois de ter abdicado da sua masculinidade.
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