Eu pensava que nisto das competições desportivas já tínhamos passado a fase das derrotas que se transformam em vitórias morais. Estava enganado. Regressámos ao passado, de volta à pequenez mal resolvida de quem foi império e agora está reduzido à ínfima parcela do território original. É incompreensível a excitação colectiva em redor dos lobos. Será que a entrega ao jogo (dizem os especialistas), a valentia inconsequente, o hino trinado com sentida emoção – será que tudo isto diluiu o desempenho que se traduz em resultados? E o esquecimento tomou conta da memória, passando uma esponja pelos objectivos traçados pelos lobos antes de viajarem para o campeonato? Queriam perder por menos de cem pontos com a Nova Zelândia. Não conseguiram. Queriam ganhar à Roménia, por a considerarem da sua igualha. Não conseguiram. É caso para perguntar: festejam o quê?
É verdade, são valentes, destemidos, atiram-se para os adversários com uma bravura que assusta, um misto de empenho físico e loucura. É verdade, são pisados, involuntariamente socados, apanham com um montão de corpos com mais de cem quilos em cima, partem dedos e perdem dentes, exibem feridas ensanguentadas sem o mínimo esgar de dor. As pessoas impressionam-se com a intrepidez dos lobos. E celebram-na. Fazem comparações: os jogadores de futebol são meninos do coro ao pé dos jogadores de rugby. Deviam tê-los como exemplo, perder as peneiras e aprender com o destemor dos lobos. Só que as pessoas deviam perceber que estas características não são exclusivas dos lobos. Todos os jogadores de rugby comportam-se desta maneira. Descartada, pois, uma possível explicação para a entronização dos lobos.
Houve quem tivesse ficado arrepiado com a forma como os lobos entoavam o hino nacional. Ainda há dias escrevi sobre isto, noutro tipo de registo: questionava o assomo de nacionalismo, como se os lobos sentissem “a pátria” mais do que o cidadão médio, ali perfilados como exemplos de dedicação à “nação” tão querida. As pessoas comoveram-se com a emotiva forma de cantar o hino. Esqueceram-se de fazer outras perguntas inconvenientes: antes dos jogos do campeonato do mundo, os lobos também cantavam assim o hino nacional? É que não há notícia de tal feito. Das duas uma: ou a imprensa andava distraída para a comovente entoação do hino nacional de cada vez que os lobos entravam em campo em representação da portugalidade, ou os lobos descobriram este truque para chamar as atenções sobre si. Aos que se entusiasmaram tanto a ponto de heroificarem os lobos, fica aqui o repto: investiguem, mergulhem nos registos de jogos anteriores e vejam se já nessa altura havia tanto, e tão patético, empenho ao cantar o hino. É que se chegarem à conclusão que os lobos só descobriram o orgulho pátrio, via hino cantado, perante as câmaras que filmavam para todo o mundo os jogos do campeonato do mundo, fica desnudada a composição de imagem dos lobos.
O empenho e a entrega não chegam para aplaudir ninguém. Apetece-me tecer uma analogia com os alunos que avalio ao fim de cada semestre. Serei capaz de passar um aluno esforçado, mas que nitidamente não mostrou conhecimentos mínimos? Aos que acham que o empenho chega, ou que a entrega e a capacidade de trabalho mostrada são meio caminho andado, digo que assim estamos a formar ineptos. Talvez seja uma possível explicação para o atraso de que padecemos, para o hiato de produtividade em relação à média europeia. O empenho também conta. Mas tem que ser aliado ao desempenho, aos resultados conseguidos. De outro modo, aplaudimos a mediocridade. E se, em turba, formos condescendentes com a mediocridade, acabamos por mostrar a mediocridade de que somos feitos.
Estranha esquizofrenia colectiva que nos anestesia diante da mediocridade, aplaudida demoradamente.