28.9.07

Lobos, ou cachorrinhos?


A exemplar campanha dos “lobos” lusitanos pelo campeonato mundial de rugby terminou com a apoteótica recepção dos bravos heróis no aeroporto de Lisboa. O observador desatento diria que estávamos perante os campeões de mundo, tanta a algazarra, tantos os festejos que parabenizaram a façanha desportiva. E, contudo, os lobos foram tosquiados de cada vez que pisaram relvados e defrontaram os adversários. Há exculpações para a sucessão de derrotas, avançam alguns – entre adeptos da modalidade e outros que descobriram a galhardia com que os lobos lutavam em campo contra adversários imensamente superiores: eles eram a única selecção amadora (será?) e só a sua presença bastava para registar a heroicidade do feito.

Eu pensava que nisto das competições desportivas já tínhamos passado a fase das derrotas que se transformam em vitórias morais. Estava enganado. Regressámos ao passado, de volta à pequenez mal resolvida de quem foi império e agora está reduzido à ínfima parcela do território original. É incompreensível a excitação colectiva em redor dos lobos. Será que a entrega ao jogo (dizem os especialistas), a valentia inconsequente, o hino trinado com sentida emoção – será que tudo isto diluiu o desempenho que se traduz em resultados? E o esquecimento tomou conta da memória, passando uma esponja pelos objectivos traçados pelos lobos antes de viajarem para o campeonato? Queriam perder por menos de cem pontos com a Nova Zelândia. Não conseguiram. Queriam ganhar à Roménia, por a considerarem da sua igualha. Não conseguiram. É caso para perguntar: festejam o quê?

É verdade, são valentes, destemidos, atiram-se para os adversários com uma bravura que assusta, um misto de empenho físico e loucura. É verdade, são pisados, involuntariamente socados, apanham com um montão de corpos com mais de cem quilos em cima, partem dedos e perdem dentes, exibem feridas ensanguentadas sem o mínimo esgar de dor. As pessoas impressionam-se com a intrepidez dos lobos. E celebram-na. Fazem comparações: os jogadores de futebol são meninos do coro ao pé dos jogadores de rugby. Deviam tê-los como exemplo, perder as peneiras e aprender com o destemor dos lobos. Só que as pessoas deviam perceber que estas características não são exclusivas dos lobos. Todos os jogadores de rugby comportam-se desta maneira. Descartada, pois, uma possível explicação para a entronização dos lobos.

Houve quem tivesse ficado arrepiado com a forma como os lobos entoavam o hino nacional. Ainda há dias escrevi sobre isto, noutro tipo de registo: questionava o assomo de nacionalismo, como se os lobos sentissem “a pátria” mais do que o cidadão médio, ali perfilados como exemplos de dedicação à “nação” tão querida. As pessoas comoveram-se com a emotiva forma de cantar o hino. Esqueceram-se de fazer outras perguntas inconvenientes: antes dos jogos do campeonato do mundo, os lobos também cantavam assim o hino nacional? É que não há notícia de tal feito. Das duas uma: ou a imprensa andava distraída para a comovente entoação do hino nacional de cada vez que os lobos entravam em campo em representação da portugalidade, ou os lobos descobriram este truque para chamar as atenções sobre si. Aos que se entusiasmaram tanto a ponto de heroificarem os lobos, fica aqui o repto: investiguem, mergulhem nos registos de jogos anteriores e vejam se já nessa altura havia tanto, e tão patético, empenho ao cantar o hino. É que se chegarem à conclusão que os lobos só descobriram o orgulho pátrio, via hino cantado, perante as câmaras que filmavam para todo o mundo os jogos do campeonato do mundo, fica desnudada a composição de imagem dos lobos.

O empenho e a entrega não chegam para aplaudir ninguém. Apetece-me tecer uma analogia com os alunos que avalio ao fim de cada semestre. Serei capaz de passar um aluno esforçado, mas que nitidamente não mostrou conhecimentos mínimos? Aos que acham que o empenho chega, ou que a entrega e a capacidade de trabalho mostrada são meio caminho andado, digo que assim estamos a formar ineptos. Talvez seja uma possível explicação para o atraso de que padecemos, para o hiato de produtividade em relação à média europeia. O empenho também conta. Mas tem que ser aliado ao desempenho, aos resultados conseguidos. De outro modo, aplaudimos a mediocridade. E se, em turba, formos condescendentes com a mediocridade, acabamos por mostrar a mediocridade de que somos feitos.

Estranha esquizofrenia colectiva que nos anestesia diante da mediocridade, aplaudida demoradamente.

5 comentários:

Anónimo disse...

É verdadeiramente patética a forma como os meios de comunicação social Portuguesa deram destaque à performance da selecção Portuguesa de rugby. Como a moeda tem sempre dois lados, vejamos o que contrapõe a imprensa especializada estrangeira que faz a cobertura do Mundial: "Scotland beat new boys Portugal" ou "LYON, 15 September - New Zealand scored more than 100 points against Portugal but the match was far less of a one-way affair than some predicted." (é aqui que se foi desencatar o sangue, suor e lágrimas), ou ainda com a Itália "The amateur side, ranked 22nd in the world in comparison to the ninth position of their opponents, came on to the field with revenge in mind after Italy had defeated them 83-0 in the qualifying stages of RWC 2007 in 2006." Finalmente, os lobos afinal criaram um momento digno de um conto de fadas: "Portugal create own Cinderella TOULOUSE, 26 September - Portugal brought an element of the fairytale with them to the world cup, but their pride and passion was not quite enough to seal a story-book ending against Romania on Tuesday. After the match the Lobos created their own Cinderella moment, donning T-shirts containing a marriage proposal for their wing Antonio Aguilar from his girlfriend. To the delight of the crowd she also had the message "Antonio, will you marry me?" flashed up on the scoreboard.

Como são diferentes as perspectivas: de um lado "heróis nacionais", do outro uma equipa amadora, esforçada, mas a anos luz das restantes e que fica na história porque recebeu um inédito pedido de casamento no final de um jogo. Pergunto: onde andava a imprensa cor de rosa Portuguesa? Isto não vende mais que as pipis, titis, dadás e afins?
(ver em www.rugbyworldcup.com)

Anónimo disse...

pa fiquei na duvida se voces percebm um pouco que seja de rugby.. pelos comentarios parece que não!

Anónimo disse...

Tenho realmente muita pena que os nossos heróicos lobos não tenham cantado o Hino Nacional um só decibel acima para que desse modo conseguissem evitar que eu ouvisse estes latidos de cachorrinhos zangados com a própria vida.
Oh Diferencial, Portuguesa é um adjectivo e portanto é escrito com letra minúscula.Vamos lá tratar a lingua portuguesa como ela merece...

ABS

Anónimo disse...

gostava de perguntar a quem escreveu a noticia se ja alguma vez viu esta selecçao jogar?eu acompanho-a ha 11 anos e garanto que sempre que cantaram o hino(nao sei porque razao apelidado de patetico) foi daquela forma.ate o convido a ir sabado as 15horas assistir ao jogo contra o romenia no jamor.
a razao pela qual eles sao admirados e pelo facto de durante 6 anos sem receber nada em troca treinarem todos os dias alguns vindos do porto com o objectivo/sonho de estar presente no mundial em 2007.
realmente ha pessoas que se preocupam tanto em criticar que nem olham para os feitos heroicos,sim HEROICOS que outros fazem.e nao me venham com citaçoes ridiculas de jornais estrangeiros porque imprensa boa e ma ha em td o lado,se quiserem dêm-se ao trabalho d investigar um pouco mais e vao ver que 90% das opinioes sao bastante positivas!

Anónimo disse...

o felino,ou o gatinho?
esse sim devia ser um bom titulo para alguem que tem a lata de escrever tao ridiculo comment com o medo de assinar por baixo...ganha mas é um par de tomates e escreve alguma coisa de jeito que tenhas feito,gostava de a comparar com o feito dos lobos...
Francisco Silva