A intensa cacimba que cerca a cidade retarda a alvorada. É a espessura do nevoeiro que confere uma luz mágica, não deixando perceber quando termina a noite e raia a manhã. Como se fosse uma ponte que mistura as duas partes do dia, ou o negociador de uma paz impossível entre os antípodas da luz. E, no entanto, há uma alquimia que as palavras não conseguem retratar. Uma luminosidade baça que envolve as coisas, as árvores, as ruas. Dir-se-ia que o céu vem beijar o solo, tão perto o tecto plúmbeo se acerca do chão.
Sentem-se as gotículas no ar, esbracejando ao sabor da brisa que acompanha a deposição da luz clara. E há um odor suave que vem com a bruma que se apodera dos locais. A luz que se insinua mergulha sobre a cidade. Faz dela um antro sombrio, que definha na escuridão que retarda a chegada da manhã. As pessoas amanhecem tristonhas, cercadas pela cacimba duradoura e fresca que esconde o sol que já vai alto. Contudo, é bela a alvorada pontuada pelo nevoeiro que toma conta da cidade. Mistura-se com o granito férreo e envolve-a num manto espesso, a dureza dos corpos sacrificados pela alvorada que se confunde com o martírio de um dia de trabalho que começa. Um percurso espinhoso, que o nevoeiro persistente e intenso mergulha as almas numa tristeza perene.
A luz embaciada da bruma insidiosa é de uma beleza singular. Possam os entristecidos pela manhã enevoada compreender que é então que se salienta a luz clara e poderosa dos dias solarengos. A transição de um dia plúmbeo para um dia aberto à claridade é um bálsamo que traz à superfície a beleza escondida dos dias carregados pelo manto que esconde o sol. Não devem soçobrar perante a modorra a que se entregam em dia empossado pelo nevoeiro. O clima é pródigo em abundantes horas anuais de sol, apenas entrecortadas por intervalos de dias chuvosos e ainda menor frequência de manhãs tomadas pelo nevoeiro. Até pela raridade, o nevoeiro merece sagração.
Em dias de entronização do nevoeiro, a cidade confunde-se no manto espesso que a cobre. A humidade corrói os ossos e entranha-se até na alvenaria mais impenetrável, entrando nas casas. Pela janela voga a luz baça que impede a visibilidade distante. As cores que costumam apresentar o brilho matinal são uma imagem turvada, uma sucessão de vultos que só ao perto recuperam a sua nitidez. Há nestes dias de bruma uma miopia que invade os olhos dos habitantes da cidade, obscurecida a vista pela ausente claridade. E quando o nevoeiro se torna mais espesso, descendo até beijar o chão, vejo pela janela uma camada acinzentada a planar suavemente em direcção do solo, aterrando na relva, fazendo-se metamorfose nas pétalas das flores que se saciam na humidade que vem pousar nelas. O céu aterra no chão plano, que o acolhe como leito retemperador da descida desde as altitudes por onde habitam pássaros e aviões.
A escuridão semeada pelo nevoeiro é balsâmica. Torna o amanhecer diferente, tremendamente poderoso na sua luz que reprime a nitidez das formas e das cores. Nestas manhãs, as pessoas são apenas vultos indiferenciados. Percorrem as ruas como autómatos, impossível o discernimento das faces, escondidos os podres que percorrem as veias. O nevoeiro é um teatro onde desfilam os vultos disformes que reprimem as feições detestáveis dos seres. Não sei se há apaziguamento do nevoeiro com o pessimismo antropológico: ao menos a luz embaciada esconde a podridão que estala pelos corpos dos transeuntes, transtorna a feiura dos corpos que escorregam, contrariados, pelas manhãs mal dormidas. Será uma simulação dos dias habituais, onde vegeta a claridade que desnuda toda essa podridão.
Eis a terapêutica de uma noite retardada pela luz não nítida do nevoeiro: as desgraças perdem a sua nitidez, ultrapassadas pela manhã plúmbea que ofusca as formas e as cores, como as pessoas que não passam de vultos. Às vezes acho que todas as manhãs deviam ser manhãs conquistadas pelo espesso manto do nevoeiro. Uma singular manifestação de beleza: na luz cinematográfica da cidade apoderada pelo nevoeiro, e pela dissimulação dos corpos que se cruzam nas ruas.
Sentem-se as gotículas no ar, esbracejando ao sabor da brisa que acompanha a deposição da luz clara. E há um odor suave que vem com a bruma que se apodera dos locais. A luz que se insinua mergulha sobre a cidade. Faz dela um antro sombrio, que definha na escuridão que retarda a chegada da manhã. As pessoas amanhecem tristonhas, cercadas pela cacimba duradoura e fresca que esconde o sol que já vai alto. Contudo, é bela a alvorada pontuada pelo nevoeiro que toma conta da cidade. Mistura-se com o granito férreo e envolve-a num manto espesso, a dureza dos corpos sacrificados pela alvorada que se confunde com o martírio de um dia de trabalho que começa. Um percurso espinhoso, que o nevoeiro persistente e intenso mergulha as almas numa tristeza perene.
A luz embaciada da bruma insidiosa é de uma beleza singular. Possam os entristecidos pela manhã enevoada compreender que é então que se salienta a luz clara e poderosa dos dias solarengos. A transição de um dia plúmbeo para um dia aberto à claridade é um bálsamo que traz à superfície a beleza escondida dos dias carregados pelo manto que esconde o sol. Não devem soçobrar perante a modorra a que se entregam em dia empossado pelo nevoeiro. O clima é pródigo em abundantes horas anuais de sol, apenas entrecortadas por intervalos de dias chuvosos e ainda menor frequência de manhãs tomadas pelo nevoeiro. Até pela raridade, o nevoeiro merece sagração.
Em dias de entronização do nevoeiro, a cidade confunde-se no manto espesso que a cobre. A humidade corrói os ossos e entranha-se até na alvenaria mais impenetrável, entrando nas casas. Pela janela voga a luz baça que impede a visibilidade distante. As cores que costumam apresentar o brilho matinal são uma imagem turvada, uma sucessão de vultos que só ao perto recuperam a sua nitidez. Há nestes dias de bruma uma miopia que invade os olhos dos habitantes da cidade, obscurecida a vista pela ausente claridade. E quando o nevoeiro se torna mais espesso, descendo até beijar o chão, vejo pela janela uma camada acinzentada a planar suavemente em direcção do solo, aterrando na relva, fazendo-se metamorfose nas pétalas das flores que se saciam na humidade que vem pousar nelas. O céu aterra no chão plano, que o acolhe como leito retemperador da descida desde as altitudes por onde habitam pássaros e aviões.
A escuridão semeada pelo nevoeiro é balsâmica. Torna o amanhecer diferente, tremendamente poderoso na sua luz que reprime a nitidez das formas e das cores. Nestas manhãs, as pessoas são apenas vultos indiferenciados. Percorrem as ruas como autómatos, impossível o discernimento das faces, escondidos os podres que percorrem as veias. O nevoeiro é um teatro onde desfilam os vultos disformes que reprimem as feições detestáveis dos seres. Não sei se há apaziguamento do nevoeiro com o pessimismo antropológico: ao menos a luz embaciada esconde a podridão que estala pelos corpos dos transeuntes, transtorna a feiura dos corpos que escorregam, contrariados, pelas manhãs mal dormidas. Será uma simulação dos dias habituais, onde vegeta a claridade que desnuda toda essa podridão.
Eis a terapêutica de uma noite retardada pela luz não nítida do nevoeiro: as desgraças perdem a sua nitidez, ultrapassadas pela manhã plúmbea que ofusca as formas e as cores, como as pessoas que não passam de vultos. Às vezes acho que todas as manhãs deviam ser manhãs conquistadas pelo espesso manto do nevoeiro. Uma singular manifestação de beleza: na luz cinematográfica da cidade apoderada pelo nevoeiro, e pela dissimulação dos corpos que se cruzam nas ruas.
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