Até os petizes são vítimas da diligente ASAE. A felicidade das crianças está sob o ponto de mira dos fiscais da segurança alimentar e económica (seja lá o que isso for, a segurança alimentar e económica). É que o Nunes e descendência descobriram que as máquinas que oferecem brinquedos diversos num invólucro a pretexto de uma guloseima, contra a deposição de uma moeda, equivalem à aleatória actividade do jogo. Como aquelas caixas que perfurávamos para saber que chocolate é que íamos levar, dependendo da cor da bolinha que saísse depois da perfuração. Também é jogo. E como as criancinhas não têm ainda idade legal para os jogos de azar, a ASAE vai dar luta sem tréguas aos ovos Kinder e quejandos.
Eu continuo a dizer que a ASAE é a nossa vanguarda. É através dela que os parceiros europeus deitam o olho a este cantinho que repousa na West Coast of Europe. Afinal, não somos um infindável rosário que nos coloca na cauda de todas as tabelas quando somos comparados aos outros países europeus. Também somos motivo de garbo, exemplo que se oferece aos parceiros europeus. E como se vulgariza a mania das “boas práticas” – os países reconhecem aquele que se distingue e copiam-no – a ASAE vai deixar legado. Por cá e, sobretudo, pelo retumbante êxito que será pela Europa fora.
Depuralina: decerto substância desconhecida para a maioria, antes dos sacerdotes da saúde pública terem decretado a sua proibição, com a inestimável ajuda dos fiscais da ASAE que andam a passar as farmácias a pente fino para saberem se o “suplemento alimentar” desapareceu das prateleiras. Cá está como somos exemplo para os outros. Como estamos na dianteira da segurança alimentar e económica, na preservação da saúde pública. Dias depois, os espanhóis copiaram o nosso exemplo e proibiram a depuralina. Eu digo que isto é um enorme motivo de orgulho. Finalmente somos capazes de ser a locomotiva a que os outros países se atrelam.
Devemos estar todos muito orgulhosos. E triplamente agradecidos à ASAE: primeiro, porque a entidade existe. Segundo, ela anda muito atenta aos atropelos à nossa segurança alimentar e económica – que coisa tão abrangente…Terceiro, é a ASAE que dá o exemplo aos outros países, excitando a pertença nacional que tão necessitada anda destes louvores por interposto reconhecimento público dos outros que nos copiam.
Não há semana que a ASAE não deixe a sua pegada de higienismo que nos defende da inconsciência em que vegetamos, ou da inconsciência dos operadores económicos que ignoram os padrões mínimos de higiene e segurança alimentar. A maré vai enchendo, cada vez menos coisas a ficarem de fora da alçada vigilante da ASAE do Nunes. Exercitando a espantosa imaginação, como neste caso em que se descobriu – e como ninguém foi capaz de ter semelhante rasgo antes? – que os ovos Kinder e quejandos escondem jogo dissimulado nos brinquedos aleatórios que os petizes ganham na guloseima. A ASAE soube desmontar a conspiração capitalista dos ovos Kinder, chocolates Regina e outros que tais. Essas empresas fertilizam nas criancinhas o vício do jogo. Está-se mesmo a ver: cada criancinha ansiosa por saber que brinquedo vai sair na próxima guloseima, jogador potencial que há-de gastar rios de dinheiro nos malfadados casinos quando chegar à idade da admissão nos antros de jogo.
Junta-se uma quarta razão de penhorado agradecimento à ASAE: ela abre-nos os olhos para as conspirações que passam debaixo do nariz e que, não fora a entidade, continuariam a levar-nos no engodo. Sem a ASAE seríamos uma massa inerte de ignaros. A ASAE devia merecer condecoração presidencial no próximo 10 de Junho.
O desporto nacional preferido vai deixar de ser o futebol. A Santa Casa de Misericórdia de Lisboa está a preparar um novo jogo que vai rivalizar com o Euromilhões: o povo passará a apostar na próxima fiscalização da ASAE, na próxima proibição da ASAE. Aos que acertarem o prémio poderia ser, por exemplo, descontos nos impostos. Deixo aqui a minha aposta: a ASAE vai começar a vasculhar a cópula alheia. Assim como assim, a entidade foi concebida para zelar pela segurança alimentar…
A ASAE, de tanto cuidar da nossa segurança alimentar e económica, é a nossa pior inimiga. Quando começa a época de caça ao Nunes?
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