Max Mosley, presidente da Federação Internacional do Automobilismo (FIA), foi apanhado com duas prostitutas em práticas sadomasoquistas. Talvez o desplante maior tenha sido fantasiarem açoites em que o carrasco envergava trajes nazis e a vítima fazia as vezes de judeu. Um tablóide britânico terá industriado as duas prostitutas, caçando Mosley na emboscada. Meio mundo pede a demissão do presidente da FIA. Consideram que os seus actos foram deploráveis, incompatíveis com o desempenho de um cargo tão importante.
O ministro dos negócios estrangeiros da Finlândia, Ilkka Kanerva, foi levado à demissão depois de se saber que enviou duzentas mensagens de telemóvel a uma stripper profissional. Atraiçoado pelas hormonas aos pulos, pela artista que se dá a conhecer pela exposição dos atributos corporais, e pelo surpreendente puritanismo da sociedade finlandesa, a Kanerva só restava resignar ao cargo. Por pudor pessoal e porque terá havido muito concidadão ofendido com o desvario do ministro. Pelos vistos, os delírios hormonais impedem o bom desempenho de funções tão importantes.
Antes de prosseguir, convém deixar lavradas as declarações de interesses pessoais. A começar por Ilkka Kanerva: nunca tinha ouvido falar na personagem antes de se dar a conhecer através deste “escândalo” (e aqui as aspas não são inocentes) sexual. Em relação a Max Mosley, estou ainda mais à vontade para vir em sua defesa: sendo o automobilismo o meu desporto favorito, estou por dentro das “politiquices” da FIA. Nunca tive a menor simpatia pessoal por Mosley. Seria fácil engrossar o coro dos que exigem a sua demissão, a pretexto do escândalo sexual em que foi apanhado. Até porque a encenação nazi que caldeou os actos sadomasoquistas punha Mosley ainda mais a jeito.
Expostas as declarações de interesses, digo que não compreendo como se pode aproveitar um episódio da vida privada de Mosley, por mais repugnante que apareça aos olhos de muitos, para exigir a demissão. Já nem sequer discuto os meios através dos quais o escândalo desaguou na praça pública. A cilada montada a Mosley é a maior indignidade em tudo isto. Por estes dias, todavia, já não estranho que a “consciência colectiva” confunda os planos e aceite que todos os meios sirvam para atingir um fim. A prática parece enraizar-se com os sucessivos atropelos tratados com condescendência.
Sobre Mosley tomba o opróbrio da revelação da sua intimidade. As mentes puritanas – a quem apetecia perguntar se nunca tiveram os seus desvios aos costumes que dizem defender de forma tão militante – acharão escabrosas as práticas do presidente da FIA. Que vergonha gostar de sadomasoquismo! Que vergonha descer as calças e ser açoitado por uma das prostitutas! Inadmissível encenar o acto com laivos nazis, simulando uma das vítimas dos maus tratos no lugar de judeu. Aqui vão algumas perguntas: se isto não tivesse sido filmado e depois entregue de forma ignominiosa nas mãos de um tablóide sensacionalista, quem teria sabido que Mosley tem estes gostos pessoais? E, sendo pessoais, fazendo parte da sua intimidade, pode alguém julgar esses gostos?
No caso do ministro dos negócios estrangeiros finlandês, o que surpreende é as vozes puritanas se terem feito notar numa sociedade conhecida pela grande latitude de costumes. Não se trata de uma sociedade conservadora, infectada por um puritanismo religioso. Os povos nórdicos são conhecidos pelo seu “arejo” em matéria de costumes. Kanerva foi atraiçoado por uma oportunista artista de strip tease, que assim encontrou uma oportunidade de ouro para ser figura pública nacional. Pergunto: é por ter deixado duzentos SMS na caixa de mensagens da senhora que deixou de ter condições para ser um bom ministro dos negócios estrangeiros? Há coisas permitidas ao cidadão comum mas proibidas a uma figura pública? Afinal, por onde anda a deificada igualdade de todos – neste caso, igualdade perante os costumes?
Há um grande problema quando nos armamos em pitonisas dos bons costumes e sentamos alguém no banco dos réus. Primeiro, tenho um grande problema com essa prática: quem assim resvala, com facilidade, para o papel de juiz dos bons costumes, tem – é a minha suspeita – fantasmas escondidos no armário. Que venha o primeiro atirar a pedra sem medo de estilhaçar os seus telhados de vidro. Segundo, a vida privada é isso mesmo – privada. E se é privada, deve ficar resguardada na intimidade dos indivíduos, sem se expor à curiosidade e, pior ainda, às sentenças alheias. Ou, um dia destes, todos corremos o risco da vida íntima ser espiolhada e alvo de sentenças feitas por outros. O que não seria nada confortável.
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