3.4.08

E por que não garantir às criancinhas o direito de voto?


Lá está: o vanguardismo a que me referia no texto de ontem. Ou o “eduquês” em todo o seu esplendor. Ou apenas a bebedeira legislativa que se apodera dos engenheiros sociais que nos agraciam com a sua iluminada presença. Ou tudo isto, por junto. Ao ter tomado conhecimento da fantástica lei 23/2006, de 23 de Junho, através da crónica de Santana Castilho na edição de ontem do Público. Peço emprestado um trecho dessa crónica para se aquilatar a avançada descoberta dos pedagogos que habitam no ministério da educação:

(…) um grupo de jovens de seis anos de idade, seis, pode constituir-se em associação de estudantes. Se o fizer, tem direito a apoio financeiro, técnico, formativo e logístico por parte do Estado. Tem direito a tempo de antena no serviço público de rádio e de televisão. O Estado deverá remeter a esse grupo de jovens todos os projectos de actos legislativos que se refiram à definição, planeamento e financiamento do sistema educativo, à gestão das escolas, ao acesso ao ensino superior, à acção social escolar e aos planos de estudos, reestruturação e criação de novos agrupamentos e áreas curriculares ou disciplinas, para que eles emitam sobre o mesmo o seu parecer. Para além da audição obrigatória por parte do Estado, como referido, estes jovens de seis anos ainda têm o direito de ser consultados pelos órgãos de gestão das escolas que frequentem, quanto às seguintes matérias: projecto educativo da escola; regulamentos internos; planos de actividades e orçamento; projectos de combate ao insucesso escolar; avaliação; acção social escolar; organização de actividades de complemento curricular e do desporto escolar.

Portanto: os inefáveis socialistas que tomaram as rédeas do poder acreditam que criancinhas com seis anos tenham dotes extemporâneos que permitam fazer o que poucos de idade bem mais avançada conseguem com lucidez. Está-se mesmo a imaginar o nascimento, com a exponencial proporção do nascimento de cogumelos, de associações de estudantes de petizada imberbe. Está-se mesmo a imaginar um grupo de petizes a ter a iniciativa de formar uma associação de estudantes lá na escola que começaram a frequentar. Estes pedagogos pecam por optimismo: hão-de acreditar que os sobredotados pululam de norte a sul, numa antecipação do país fantástico que haveremos de ser quando esta gesta de sobredotados crescer e for a sua vez de se banquetear com o poder.

Regresso à revelação da lei pelas palavras de Santana Castilho. Tanta coisa a que as activistas criancinhas têm direito: é tempo de antena, é dinheiro público para se governarem, é o dever de serem consultados em leis que lhes digam respeito, o dever dos órgãos de gestão da escola os chamarem a participar em decisões importantes para a vida da escola. É por isso que proponho aqui a extensão natural desta lei tão vanguardista: o direito de voto aos petizes de, pelo menos, seis anos. Não faz sentido tanta latitude de direitos escolares e depois ser-lhes negado o direito de voto. É de uma incongruência fatal para a visão desassombrada dos pedagogos que andam sempre três passos à frente dos demais.

O que é espantoso é alguém acreditar, no seu bom juízo, que criancinhas de tão tenra idade tenham discernimento para tanta coisa prevista naquela lei. Até ia mais atrás no processo: sequer terão iniciativa para se constituírem em associação de estudantes, quanto mais interesse em se envolverem na governação da escola e em participarem, com pareceres, na política educativa da nação. Se mal sabem escrever, como poderão dar pareceres? Se isto não é optimismo excessivo dos pedagogos, o que será? Um mundo imaginário, habitado por mentes tão brilhantes, porventura a descoberta do caminho que haveremos de trilhar num futuro não muito distante. Quem sabe se, a prazo – mas em que prazo? – a espécie humana evoluirá de tal maneira que petizes de seis anos terão interesse e capacidade para fazer tudo aquilo que, em jeito premonitório, a lei 23/2006 hoje já prevê.Eu diria, parafraseando o astronauta que pisou a lua: um passo gigantesco para a humanidade, esta lei. Se aterrarmos do voo da fantasia consegue-se perceber o assassinato de carácter das criancinhas de seis anos: digam os especialistas em “ciências da educação”, com a ajuda de psicólogos, se dos petizes de seis anos o que se espera é que brinquem, e muito, e não abracem burocráticas tarefas que os tornam adultos antes do tempo.

Ou, parafraseando o conhecido slogan da monopolista empresa de telecomunicações, “há coisas fantásticas, não há?” Tenho as minhas suspeitas: que lá pelo edifício onde se congeminam estas avançadíssimas soluções tecidas pelos pedagogos, muito vinho jorra à hora do almoço. Se, contudo, os “pedabobos” forem abstémicas criaturas, só resta uma interpretação: temos “eduquês” a mais. O “eduquês” é um cancro que corrói a paixão de tantos políticos e asfixia a fonte de emancipação da sociedade civil, remetida, geração após geração, à condição de cobaia destes experimentalistas.

Pudessem os “pedabobos” ser remetidos a uma torre de marfim onde simulassem as suas extravagantes experiências, sem obrigarem crianças de carne e osso a serem submetidas a essas experiências, e a educação começava a endireitar-se. Será esse o segredo: tirar os “pedabobos” da educação?

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