Vai grande a tempestade por causa do novo ortográfico que vai uniformizar a norma da escrita em português. Uma divisão em duas metades: os que são favoráveis ao acordo, os que são seus detractores. Mesmo entre os especialistas da língua se esgrimem argumentos favoráveis e contrários. É salutar que haja assim tanta divisão na sociedade. Pelo menos, aplaca o doentio “consenso” que nos convida a um acrítico consentimento de soluções pensadas por iluminados.
Os que investem furiosamente contra o acordo ortográfico escudam-se em dois argumentos. O argumento conservador: estamos habituados a uma determinada grafia, não faz sentido reaprendermos uma nova grafia que exige libertar amarras mentais tão enraizadas. Este argumento anda de braço dado com o segundo: ao que consta, as soluções do novo acordo ortográfico selam a capitulação do “português de Portugal” face ao “português do Brasil”. O que é inadmissível, no fervor nacionalista que recusa a capitulação diante dos bárbaros que colonizámos e que tiveram a ousadia de reinventar uma nova grafia, uma maneira alterada de escrever e falar a língua. (Desconto aqui o implausível argumento de oposição ao acordo baseado na patética necessidade de atirarmos os livros todos para o lixo, pois estarão desactualizados quando o acordo entrar em vigor. Não o considero por destoar de uma discussão lúcida e intelectualmente honesta.)
Não me revejo no argumento conservador. A língua evolui com as necessidades, a entrada de novas palavras no léxico, a aceitação de estrangeirismos, novos maneirismos que remetem palavras para o anacronismo. A língua é viva e, como tal, aberta a reconfigurações de norma. Pode-se discutir se cabe ao legislador - aos legisladores dos países de língua oficial portuguesa - impor por decreto uma norma única, ou se seria mais razoável acolher a diversidade de usos e costumes que consagram diferentes formas de escrever e falar nos países de língua oficial portuguesa. Se a uniformização não será um colete de forças que aniquila as especificidades da língua naqueles países, com a agravante de mexer com sensibilidades, pois há-de sempre haver (como se vê por cá) quem veja no acordo uma cedência ao Brasil. Apenas ao que interessa: a língua viva, que carece de adaptações à medida que o tempo passa. Nenhuma geração pode ter a pretensão de emoldurar a língua e fechá-la à evolução natural, ou adiar a evolução para gerações vindouras. Este argumento conservador - “estou habituado a escrever assim e assado e não é agora que vou mudar” - esgota-se no seu conservadorismo sem sentido. Se assim fosse, ainda hoje escreveríamos determinadas palavras com “ph” em vez de “f”.
Quanto à suposta capitulação face aos interesses do Brasil, soa-me a preconceito xenófobo. E mesmo que seja ausente a simpatia em relação ao arquétipo do brasileiro - aquela bazófia inconsequente, o gozo em fazer anedotas em que o português é achincalhado, uma certa sobranceria que revela um chauvinismo em forma terceiro-mundista - não custa reconhecer que os brasileiros souberam reinventar a língua, dar-lhe vestes mais imaginativas, desprendê-la de um hermetismo que o português nativo tem dificuldade em se libertar. Haverá algum mal em alterar a língua e pô-la de acordo com uma norma que seja mais eficaz? Haverá algum problema em chegar à humildade intelectual e reconhecer que os brasileiros sabem tratar melhor a língua, apesar de todos os preconceitos que teimam em considerar que no Brasil a língua portuguesa é destratada?
Ao que vejo, um acordo ortográfico tem nenhuma importância. Estes são tempos em que vingam as elaboradas teorias dos pedagogos, teorias que só eles têm capacidade para perceber. Ora, se agora se defende, entre os cultores das ciências da educação, que ao ensinar a língua não se deve penalizar as criancinhas se derem erros ortográficos, nem sequer corrigir esses erros, que sentido faz um acordo ortográfico? Os especialistas da pedagogia são os grandes inimigos dos linguistas. Os esforços destes em revelarem uma norma límpida esboroam-se nas avançadas teorias dos pedagogos. E se há uma ministra da educação que grita de pulmões abertos que os alunos não devem, não podem, reprovar, para quê exigir tanto de um acordo ortográfico?
Se calhar, o que tem lógica é haver uma norma ortográfica por cada falante de português. Até porque se vê, na literatura, como a língua é reinventada (Saramago e a ausência de pontuação, por exemplo). Até porque os mais jovens, a geração SMS, só sabe escrever por sinais - quase como se fossem sinais de fumo, numa linguagem codificada que parece finlandês para quem não esteja habituado a ela. Até porque há educadoras de infância que, ao ensinarem os rudimentos da leitura e da escrita às criancinhas, ensinam-nas logo a escorregar para os pontapés na gramática (o que dizer quando na sala de aula do infantário está exposto o cartaz assim escrito: “iniciação á leitura”?).
Os que investem furiosamente contra o acordo ortográfico escudam-se em dois argumentos. O argumento conservador: estamos habituados a uma determinada grafia, não faz sentido reaprendermos uma nova grafia que exige libertar amarras mentais tão enraizadas. Este argumento anda de braço dado com o segundo: ao que consta, as soluções do novo acordo ortográfico selam a capitulação do “português de Portugal” face ao “português do Brasil”. O que é inadmissível, no fervor nacionalista que recusa a capitulação diante dos bárbaros que colonizámos e que tiveram a ousadia de reinventar uma nova grafia, uma maneira alterada de escrever e falar a língua. (Desconto aqui o implausível argumento de oposição ao acordo baseado na patética necessidade de atirarmos os livros todos para o lixo, pois estarão desactualizados quando o acordo entrar em vigor. Não o considero por destoar de uma discussão lúcida e intelectualmente honesta.)
Não me revejo no argumento conservador. A língua evolui com as necessidades, a entrada de novas palavras no léxico, a aceitação de estrangeirismos, novos maneirismos que remetem palavras para o anacronismo. A língua é viva e, como tal, aberta a reconfigurações de norma. Pode-se discutir se cabe ao legislador - aos legisladores dos países de língua oficial portuguesa - impor por decreto uma norma única, ou se seria mais razoável acolher a diversidade de usos e costumes que consagram diferentes formas de escrever e falar nos países de língua oficial portuguesa. Se a uniformização não será um colete de forças que aniquila as especificidades da língua naqueles países, com a agravante de mexer com sensibilidades, pois há-de sempre haver (como se vê por cá) quem veja no acordo uma cedência ao Brasil. Apenas ao que interessa: a língua viva, que carece de adaptações à medida que o tempo passa. Nenhuma geração pode ter a pretensão de emoldurar a língua e fechá-la à evolução natural, ou adiar a evolução para gerações vindouras. Este argumento conservador - “estou habituado a escrever assim e assado e não é agora que vou mudar” - esgota-se no seu conservadorismo sem sentido. Se assim fosse, ainda hoje escreveríamos determinadas palavras com “ph” em vez de “f”.
Quanto à suposta capitulação face aos interesses do Brasil, soa-me a preconceito xenófobo. E mesmo que seja ausente a simpatia em relação ao arquétipo do brasileiro - aquela bazófia inconsequente, o gozo em fazer anedotas em que o português é achincalhado, uma certa sobranceria que revela um chauvinismo em forma terceiro-mundista - não custa reconhecer que os brasileiros souberam reinventar a língua, dar-lhe vestes mais imaginativas, desprendê-la de um hermetismo que o português nativo tem dificuldade em se libertar. Haverá algum mal em alterar a língua e pô-la de acordo com uma norma que seja mais eficaz? Haverá algum problema em chegar à humildade intelectual e reconhecer que os brasileiros sabem tratar melhor a língua, apesar de todos os preconceitos que teimam em considerar que no Brasil a língua portuguesa é destratada?
Ao que vejo, um acordo ortográfico tem nenhuma importância. Estes são tempos em que vingam as elaboradas teorias dos pedagogos, teorias que só eles têm capacidade para perceber. Ora, se agora se defende, entre os cultores das ciências da educação, que ao ensinar a língua não se deve penalizar as criancinhas se derem erros ortográficos, nem sequer corrigir esses erros, que sentido faz um acordo ortográfico? Os especialistas da pedagogia são os grandes inimigos dos linguistas. Os esforços destes em revelarem uma norma límpida esboroam-se nas avançadas teorias dos pedagogos. E se há uma ministra da educação que grita de pulmões abertos que os alunos não devem, não podem, reprovar, para quê exigir tanto de um acordo ortográfico?
Se calhar, o que tem lógica é haver uma norma ortográfica por cada falante de português. Até porque se vê, na literatura, como a língua é reinventada (Saramago e a ausência de pontuação, por exemplo). Até porque os mais jovens, a geração SMS, só sabe escrever por sinais - quase como se fossem sinais de fumo, numa linguagem codificada que parece finlandês para quem não esteja habituado a ela. Até porque há educadoras de infância que, ao ensinarem os rudimentos da leitura e da escrita às criancinhas, ensinam-nas logo a escorregar para os pontapés na gramática (o que dizer quando na sala de aula do infantário está exposto o cartaz assim escrito: “iniciação á leitura”?).
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