Haverá toda uma distância entre a astrologia e as sondagens eleitorais. A primeira reclama para si a qualidade de ciência mas tem muito de crendice, com um conjunto de generalizações que prejudicam a reivindicação do estatuto de seriedade. Sermos aglutinados em doze signos, mais os ascendentes que desmultiplicam variáveis, é a prova de como a humanidade se reconduz a um punhado de categorias que dilui a diversidade que enriquece a espécie humana. O que conta é o dia em que nascemos e a conjugação de astros que se fazia sentir nessa altura. Não interessam os genes, o sítio onde nascemos, a cultura que é todo um lastro e, mais importante que tudo, o ambiente que nos envolve e que influencia o crescimento, a personalidade que se molda.
Quando escuto ou leio especialistas em sondagens eleitorais sou levado, por instantes, a uma comparação com os astrólogos. Sei que os especialistas em sondagens têm mais razão em reclamar para a sua especialidade o rótulo de ciência. A ciência política aplica o timbre da seriedade científica a tal especialidade. Desenvolveram-se métodos que passaram pelo crivo da cientificidade, emprestando o capital de confiança às sondagens feitas em vésperas de eleições. Há quem se dedique, com a paciência dos cultores de qualquer ciência, a cruzar dados e mais dados relativos a eleições, a estudar tendências e a extrapolar conclusões reforçadas com a autoridade da indesmentível matemática.
Todavia, desconfio da ciência das sondagens eleitorais. Há uma mancha de que não se consegue desprender, esta ciência: exemplos e mais exemplos de fracassos estrondosos, um divórcio tremendo entre as previsões em vésperas de eleições e os resultados apurados após a votação. Os especialistas da ciência defendem-se: argumentam que a especialidade está em constante aperfeiçoamento. E que existe o elemento pedagógico dos erros, já que aprendem com as previsões que sairam furadas, o que diminui a probabilidade de erro nas previsões que vierem a elaborar no futuro.
Talvez o problema seja a minha desconfiança com a matemática. Os matemáticos só admitem a infalibilidade dos números. Lembro-me, dos bancos da escola, como bastava um erro no início de uma equação ou de um problema matemático para que tudo o que viesse a seguir estivesse condenado ao fracasso. Já nada mais se salvava do problema resolvido. Admito que os números são cutelos implacáveis, as algemas que não deixam lugar a deslizes no raciocínio com base em instrumentos matemáticos. Só que a matemática – e os matemáticos, e os que se socorrem da matemática como se fosse uma droga – deviam perceber que os números estão ao serviço das pessoas, não contrário.
Ao fazerem estimativas quanto à distribuição de voto pelos partidos que vão concorrer a uma eleição, e baseando essas estimativas numa amostra de eleitores que é isso mesmo, uma amostra, os especialistas das sondagens deviam ter a humildade de reconhecer que há uma hipótese de falibilidade superior àquela que costumam revelar na ficha técnica da qualquer sondagem. Apresentam uma probabilidade de erro que é “estatisticamente insignificante” (dois vírgula tal por cento, da última sondagem que vem à memória), a caução para a elevada seriedade das previsões que fazem. Nunca explicaram porque dão como adquirida essa reduzida probabilidade de erro: é um resultado de complicados cálculos matemáticos?
Por mais que vão aperfeiçoando a ciência das sondagens eleitorais, servindo-se da experiência passada e do cruzamento de experiências com eleições noutros países, há uma variável que não dominam: o comportamento humano, tão volátil. Por mais que tentem matematizar as probabilidades de alteração do comportamento humano, esta é uma variável que não me parece matematizável. Quem consegue antecipar uma súbita alteração do comportamento do eleitorado dias antes de uma eleição, incorporar essa hipótese numa sondagem de tal forma que a previsão bata certo com os resultados do sufrágio? Uma das belezas da humanidade consiste nos mistérios insondáveis que percorrem a mente. Esses mistérios são o factor aleatório que nem sofisticados modelos matemáticos conseguem retratar de forma fidedigna. E ainda que haja, nos modelos matemáticos que servem de suporte à realização de sondagens, lugar a uma variável que estima o aleatório, é um dado de incerteza que baralha as previsões.
Entramos no campo da especulação, que tolda a proximidade com os resultados das eleições a que as sondagens aspiram. É nesta incapacidade que reside o problema das sondagens eleitorais. Tapar o sol com a peneira, insistindo numa ciência infalível, é aproximar as sondagens eleitorais da crendice que anda de braço dado com a astrologia. De tal forma que já escutei especialistas em sondagens a justificarem o falhanço rotundo das previsões com a alteração inesperada de uma variável que consideravam essencial para a previsão elaborada. (E já nem falo aqui das suspeitas de sondagens encomendadas, o que torna mais escuro o céu de seriedade da ciência.)
Pois é: o problema é quando a realidade não adere às previsões. Só a cegueira explica que façam crer que o problema está na realidade e não nas previsões que fizeram. Tal como na astrologia: se uma pessoa de signo peixes se comporta mais como um leão, será que nasceu no tempo errado?
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