1.5.08

Feriado, porquê?


(Advertência: texto eventualmente “reaccionário”)

Pausa para o merecido descanso dos trabalhadores. O primeiro de Maio, reduto intransponível dos direitos adquiridos. Dizem: intocável, o feriado, sinal do progresso social, ultrapassada a longa via sacra que legou um avançado patamar de direitos sociais dos trabalhadores. Já não são a classe oprimida de outrora. Celebrar o primeiro de Maio, com direito a feriado e tudo, é caucionar a memória das conquistas que perfumam a história da humanidade com um travo de justiça social.

Aos mais exacerbados, aos que persistem numa efabulada teorização do mundo em que tudo continua a ser reduzido à dicotomia entre os oprimidos e os opressores (trabalhadores e “patrões”), uma interrogação: a celebração do primeiro de Maio, todas as conquistas que a humanidade (ou parte dela) pôde resgatar, afinal a prova que a retórica marxista perde sentido de existência? Ainda fará sentido falar em luta de classes, como se as pessoas vivessem acantonadas no mundo binário feito de opressores e oprimidos? Os avançados níveis de protecção dos direitos dos trabalhadores, na comparação com tempos idos, não são a prova definitiva de que a luta de classes e a opressão congénita dos nefandos capitalistas são apenas uma recordação do passado, trazida por conveniência de estratégia para o presente?

E se em vez de se perder um dia de trabalho com a celebração do descanso dos trabalhadores, como museológica revisitação do marxismo exaurido, este dia deixasse de ser feriado? Não resisto ao exemplo que, já o sei, logo será atacado pelos defensores das “conquistas da classe trabalhadora”: no Reino Unido não é feriado. Será o Reino Unido mais atrasado por se recusar a festejar em feriado o dia do trabalhador? Será menos democrático? Será um local onde o trabalhador não é respeitado como nos outros sítios onde nem sequer é permitida a ousadia de questionar a existência deste feriado?

Tenho um problema com estas visões que resumem tudo a um cenário muito a preto e branco, aliás só a preto e branco, como se não houvesse tonalidades intermédias. E não compro a simplista lógica de remeter uns para o papel de maus da fita, enquanto do outro lado surgem imaculadas personagens embebidas em bondade. É disto que é feita a narrativa dos direitos dos trabalhadores. Um mergulho no baú do tempo para recordar como os trabalhadores foram tão oprimidos, como estavam expostos à vontade dos empresários, tão desprotegidos nos seus direitos. Uma relação desigual, pois a titularidade dos meios de produção era o esteio para o insidioso aproveitamento das classes necessitadas. Que, tão miseráveis, se expunham através da sua pobreza, num estado de necessidade tal que só lhes restava subordinarem-se aos terríveis capitalistas.

Mas isso foi lá atrás, na penumbra do tempo. A modernidade e a consciência dos homens - dos que lutaram pelos direitos dos trabalhadores e dos capitalistas que souberam ler os sinais do tempo - trouxeram dignidade às relações de trabalho. Tanto que há quem diga que na Europa a relação passou a ser desequilibrada, mas agora a favor dos trabalhadores. Do lado de lá da barricada haverá quem se apresse a denunciar a “cartilha neoliberal” que é catecismo destes - economistas, sociólogos, responsáveis de organizações internacionais - que apontam a rigidez do mercado de trabalho como motivo para a Europa estar a ficar para trás. É a maneira mais expedita de encerrar uma discussão: desmerece-se a filiação ideológica, como se à partida “neoliberal” (no que quer que isso signifique) seja pecado tão irremissível que nem sequer há discussão que mereça ser alimentada.

Mete-me confusão esta lógica dualista, os bons que são os trabalhadores e os maus que são os malévolos (todos) capitalistas. Sempre suspeitei das historietas com laivos de infantilidade, o registo “Robinbosquizado”. A realidade tem outra espessura, muito mais densa que a simplicidade do retrato que acantona toda a gente em duas categorias. Insistir em tratar uns como malévolas criaturas e os outros como desprotegidos por definição, como o faz o direito do trabalho com o princípio que, na dúvida, se inclina para o lado do trabalhador, é a expressão contemporânea disto. Admito que há empresários que não hesitam em espezinhar direitos dos trabalhadores se ninguém estiver atento. Como haverá tantos e tantos trabalhadores que, se puderem, tudo fazem para se esforçarem o menos possível. Lá está: as categorias não são assim tão herméticas como se pensa.

Encarar as relações laborais como terreno fértil para a conflitualidade é desperdiçar energias que podiam ser aproveitadas por todos, trabalhadores e capitalistas. Se, em vez de se convencerem que remam para lados contrários, se empenhassem em colaborar uns com os outros. A ideia da guerra civil permanente entre uns e outros só serve para manter em actividade anacrónicos sindicatos. Porventura a forma mais digna de celebrar o dia do trabalhador não será a sagração do oposto do que notabiliza os trabalhadores - o trabalho, e não o descanso.

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