Era uma vez uma menina que, quando ainda era mais menina, apresentava programas infantis na estação dos betos da linha de Cascais e da Quinta da Marinha. A rapariguinha cresceu um bocado, mas a idade mental terá parado algures no tempo. Agora aparece em profusos outdoors de uma loja de informática e material de escritório, patrocinando as mercadorias com aquele sorriso de plástico das proto-beldades do momento, exibindo o irritantemente eterno bronzeado de solário.
Aposto que a rapariguinha deve seduzir numerosa clientela, pois que até o partido do governo a desencaminhou para ser mandatária para a juventude. Eu diria que a política se tornou cor-de-rosa. Vendo bem, a surpresa não está em lugar algum: o partido em causa é o da rosa, o que combina com a escolha de uma rapariguinha que anda pelos topes da popularidade nas revistas cor-de-rosa. Se dúvidas houvesse acerca da fatuidade da política e dos socialistas que nos governam, a menina Patrocínio como mandatária para a juventude esclarecia-o de vez.
Que pensamento é conhecido à rapariguinha? Nenhum. Corrija-se: até há dias, nenhum. Depois, alguns arautos desse admirável conceito inventado pelo timoneiro da nação – o "bota-abaixismo" – fizeram o trabalho de casa nos arquivos de imagens das estações de televisão. E encontraram uma entrevista pueril na qual a menina afirmava, com enternecedora assertividade, que detesta fruta trabalhosa. A menos que a empregada doméstica lá de casa se desse ao trabalho de retirar os caroços das cerejas e as grainhas das uvas, era fruta que não entrava naquela santa boquinha.
Houve quem muito se ofendesse pela futilidade da menina Patrocínio. Mais para as bandas da extrema-esquerda, logo vieram os preconceitos de classe – a empregada doméstica que não devia ter sido assim chamada, a patetice pegada da menina mimada que foi tão bem educada pelos progenitores que nem se dá ao trabalho de tirar caroços de cerejas e grainhas de uvas (e não se terá lembrado das espinhas dos peixes – ou apenas come douradinhos…). O pior estava reservado para outro momento sublime da entrevista onde a rapariguinha se mostrou desbocada – ou sintomaticamente sincera: preferia fazer batota a perder.
Recuo aos nada bons velhos tempos do estágio de advocacia. Na linguagem técnica do meio, os advogados eram chamados "mandatários judiciais". A etimologia ajuda: mandatários, por estarem mandatados pelos clientes para actuarem em seu nome. Um mandatário é isto. Pela sua boca, as palavras de quem representa. A rapariguinha de quem se fala patrocina a causa do partido do governo. Do mal o menos, a infantilidade de confessar os gostos pessoais com a fruta. A outra confissão – antes fazer batota do que perder – é todo um programa de comportamento. Não estranha que no passado fim-de-semana, num acampamento dos jovenzinhos socialistas numa praia do Oeste, a juvenil turba se tenha excitado imenso quando a menina Patrocínio discursou. Se dúvidas houvesse que as juventudes partidárias são um ninho de cobras, um lugar muito pouco recomendável para qualquer jovem crescer como deve ser, o coro de entusiasmo com a presença da menina que prefere fazer batota e perder disse tudo.
Por sinal, ainda nenhum amestrado jornalista perguntou ao "quase engenheiro" se concorda ou se demarca da boutade da mandatária para a juventude. Como mandatária, é a "voz do dono". E como o dono tem prolongado o silêncio sobre as comprometedoras declarações da rapariguinha (ou, dir-se-ia, reveladoras declarações), que se abram as janelas para o adágio que diz "quem cala consente". E se aquela confissão é reveladora, no contexto da simbólica sinecura desempenhada pela estrela de televisão: como mandatária para a juventude, é um ícone. O que os ícones dizem é imitado por quem os adula. Os jovenzinhos socialistas, mais uma imensa turba de admiradores da mandatária, sossegados se ninguém os reprovar por fazerem batota para evitarem perder no que quer que seja. Vão longe. Só de os imaginar futuros dirigentes até engulo em seco. Vamos longe.
No comício montado na festarola dos jovenzinhos socialistas, a mandatária para a juventude botou faladura. Leu um discurso muito técnico, com palavras caras como "recessão", "crise económica" e "retoma". Leu o discurso que alguém escreveu. Quando o comício acabou, a menina tinha instruções para não responder às perguntas dos jornalistas. Sintomático. Lá na seita, já devem ter percebido que se trata de outro erro de casting (ainda se devem lembrar do fantástico cabeça de lista que arranjaram para as eleições europeias e o mau resultado que isso deu). É o que acontece a quem abre a boca e ou entra mosca ou sai asneira. A censura começa lá em casa. E, quando começa em casa, quem os impede de a estender ao exterior?