O que leio de Vital Moreira no seu blogue faz com que seja um dos poucos cronistas habituais do Público que não me dou ao trabalho de ler. Esta semana, estendido na toalha em plena convivência com a maralha na concorrida praia, abri uma excepção. Ganhei tema para o texto de hoje.
O Prof. Vital é daquelas pessoas que – se me é permitido, sem ofender os costumes – pratica covardia intelectual. Passo à explicação do conceito. Acoberta-se na enorme aura intelectual que é o lastro de um eminente académico coimbrão, ainda por cima de direito (continuam convencidos que são a elite entre as elites), ainda por cima mais apoiante do "engenheiro" primeiro-ministro do que o próprio. Enquistado nesta autoridade intelectual, debita certezas que não merecem contestação. Não sei se serão vestígios da formatação intelectual dos tempos idos, quando foi indefectível militante comunista e perfilhou as tácticas estalinistas que, como sabemos, recebem de braços abertos a dissidência e praticam a tolerância em relação a quem considera que uma certeza o não seja.
Com um mau feitio incorrigível, sempre que dou de caras com espécimes que alardeiam as suas certezas e as crismam como "a verdade" sinto uma súbita pulsão para a discordância. Pois a discordância pode, ao menos, desanuviar a "rebanhização" (palavra que acabei de inventar e que significa sermos todos conduzidos ao estatuto de rebanho obediente, sem possibilidade de encontrar as mal-afortunadas ovelhas tresmalhadas). Perante tantas certezas e a invocação constante da "verdade", faço questão de ser ovelha tresmalhada no rebanho que o Prof. Vital adoraria apascentar sem dissidências.
Estava a torrar a pele em hora de sol aconselhável quando fui parar à crónica semanal do Prof. Vital. Como tempo é coisa que abunda em férias, abri uma excepção e comecei a ler a crónica do agora deputado socialista ao Parlamento Europeu. É um chorrilho de "certezas" firmes, um vendaval de razão só para o seu lado, uma orgia de "verdades" – como se as verdades se pudessem fixar apenas pelo voluntarismo de quem as idealiza. Alguns exemplos: "[n]ão têm razão os que defendem que o recenseamento eleitoral deveria ser facultativo"; "a verdade é que, se o voto é livre, as pessoas devem estar sempre em condições de poder votar"; "[t]ão-pouco é defensável a liberdade de escolha do local de recenseamento"; "[é] uma questão elementar de verdade eleitoral"; para terminar com o exigível panegírico ao governo, protestando "[c]omo é difícil fazer reformas neste país, mesmo quando (…) elas são claras e transparentes e só trazem vantagens para os cidadãos". (Destaques meus)
Sobre o tema escolhido pelo Prof. Vital, tenho opinião. No essencial, é contrária à do quase senador da república – mas para a divergência talvez contribua a minha ideologia "ultraliberal", pedindo o conceito de empréstimo ao Prof. Vital. Dava pano para mangas a discussão: saber se faz sentido, como agora é exigido pelo admirável cartão único, que as pessoas sejam obrigadas a votar na freguesia da residência. O Prof. Vital, pelo meio das suas asserções indubitáveis, destrói o argumento do voto afectivo no sítio do nascimento (ou, acrescento daqui, no sítio que nos viu crescer desde a infância e durante parte substancial da vida). Porventura o Prof. Vital não tem amigos que prefiram votar por motivos afectivos num lugar que não é o da residência; ou tem-nos, mas a agenda obriga-o a escondê-los, como se fossem incómodos fantasmas no armário. Eu, por acaso, tenho amigos que estão tristes por deixarem de votar onde sempre votaram mercê do maravilhoso cartão único que foram obrigados a tirar. As leis não deviam impor a tristeza aos súbditos, pois não?
Mas a pérola está reservada para o final. Foi isto que me fez escrever este texto sobre as verticais asserções do Prof. Vital. Ao querer demonstrar que o voto no lugar da residência combate a abstenção, fixou doutrina: "[n]ão é preciso nenhum inquérito sociológico para concluir que a abstenção é muito maior do que a média entre os eleitores não residentes no local de recenseamentos". Para que não se esqueça, esta é uma frase escrita por um académico – até porque o cartão-de-visita do cronista é, para além de deputado europeu, "professor universitário" (antepenúltima linha da crónica). Esta frase é um impressionante hino ao rigor científico e à honestidade intelectual. Primeiro, o Prof. Vital determina, com a sua sapiência, que não é necessário gastar tempo e dinheiro a fazer um "inquérito sociológico". Segundo, o Prof. Vital antecipou-se ao imaginado inquérito sociológico e tirou, da sua brilhante cabeça, as conclusões. Ele sabe – porque ele sabe, tal é o lastro da aura intelectual – que a abstenção é maior entre os que teimam em votar numa freguesia que não é a da residência. Pergunte-se-lhe, pois: onde estão os dados?
Será que o Prof. Vital orienta mestrandos e doutorandos com a mesma ligeireza de análise, o mesmo abcesso metodológico? Parece que o estou a adivinhar a esboçar réplica, com o habitual desdém de quem está sentado na cátedra dos infalíveis do intelecto, contrapondo: não há dados, trata-se de senso comum. Nesse caso, o cartão-de-visita – professor universitário – não bate com a perdigota.
(Em Tavira)
1 comentário:
Caro Professor engana-se numa coisa. No Partido de que o inefável Vital foi indefectível militante nada é imposto tudo é discutido a começar pelas teses do Congresso que alem de serem resultado de muitas e muitas opiniões das bases são ainda postas à disposição dos militantes para análise e discussão.E quanto ao "stalinismo" o que posso dizer é que o PCP é Português não segue modelos. O seu modelo é a luta corajosa sem desânimo por um país diferente e melhor. Em relação ao Vital não vale a pena falar. Ele encarrega-se de se definir. Apesar das divergências os meus cumprimentos amistosos.
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