O olhar, perdido no firmamento, como caução de um mundo já ausente. Nesses olhos marejados embebe-se a profunda, infinita tristeza. Já só desesperança. E, contudo, nos olhos que retêm as lágrimas empareda-se toda uma existência, como se neles estivesse às avessas uma tela onde passasse a sagração de uma vida inteira.
Como é penoso ser testemunha da tristeza que mareja naqueles olhos. Reféns de uma melancolia pungente, selam a cedência perante a arrebatadora força que fora incapaz de vencer. O cansaço tomara o seu altar, vergando as forças agora exangues. Há naquele olhar petrificado um imenso livro aberto onde acampam as dores que não são gritadas. É como se um sofrimento inteiro se enquistasse naquele olhar perdido no distante horizonte, algures onde porventura já nem sequer um horizonte qualquer é discernido pelo olhar.
Diria que os olhos que se encharcam de lágrimas contidas já só se perdem na ausência de tudo. Opacos pelas lágrimas que lhes retiram expressão; mas, ao mesmo tempo, translúcidos pela tristeza que transportam. Translúcidos, como se por eles todos os gritos aflitivos de sofrimento – todos os gritos que soubera reprimir – soassem no olhar marejado. Naquele olhar que transpira lágrimas da tristeza.
Que pensamentos vagueiam detrás daquele olhar petrificado, que só não é inexpressivo porque dele escorre a infinita tristeza? Uma lamentação, ou o perjúrio de jamais ser o que fora outrora. Matéria inerte a que apenas os olhos que são sacrário da melancolia consentem alguma expressividade. É naqueles olhos perdidos no firmamento que se parece resguardar ainda alguma lucidez, ainda alguma altivez disfarçada na tela para lá da tristeza. Neles, a na tristeza que albergam, toda a impotência de reverter o tempo, um braço-de-ferro derrotado. O impassível declínio, contra o qual as esvaídas forças já nada podem, arremete com a ultrajante violência que se abate num corpo domado. O que ainda sobra de dignidade fervilha no ensurdecedor silêncio dos olhos que ecoam uma tristeza ímpar.
Não houvera lamentações escutadas quando podiam ser gritadas com a mesma força do sofrimento que o consumia pelas entranhas. E agora, mercê dos olhos imóveis no longínquo e indiferenciado horizonte, parecia que as lamentações soavam, tão audíveis, no silencioso olhar testemunha de tanta tristeza. Todas as lágrimas que os marejavam valiam pelas palavras outrora reprimidas, as palavras que haveriam de ser ditas em rima com a tanta dor suportada. E mesmo as lágrimas que enchiam os olhos não se vertiam, como se fosse o derradeiro fulgor de toda a coragem amealhada. Nem as lágrimas contidas dentro do olhar aspergiam um sentimento que fosse, todos eles abrigados na continência do olhar remetido à infinita tristeza.
Uma vez mais, pela última vez, queria poupar os demais do sofrimento dilacerante. Só não conseguia reprimir o olhar onde se acantonava a tristeza que as forças já desfalecidas não deixavam esconder. Aos outros, à volta, sobrava a tremenda impotência de nada poderem fazer. Na impossibilidade de revertem os tentáculos que adornavam aquela tristeza, no gélido silêncio que se apoderava do demorado olhar que se perdia no firmamento, algures onde nidificava toda aquela tristeza em que os olhos repousavam. Restava-lhes serem testemunhas da infinita tristeza que o consumia. Coabitarem nessa melancolia, para que ao menos não a sentisse no ainda mais doloroso isolamento.
2 comentários:
Se te refres a quem eu penso, estou com todos vós embora nada possa fazer....
okimba chama-se Américo.
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