6.8.09

Fornicai, patrícios


Não sei se é da idade, que a idade traz consigo algum amadurecimento e o amadurecimento cauciona a paciência que outrora andava ausente. Este é o mote para a atitude em relação a campanhas eleitorais. Dantes, desligado do mundo. A demagogia soava tanto a patranha que não conseguia encontrar paciência para as aturar. Mas, por estes dias, deleito-me com a campanha eleitoral. Estes tempos que se avizinham prometem um fartote de boa disposição.


A começar: é fabuloso que o partido mais pródigo em propostas seja o que tem estado no governo. (E que o principal partido da oposição atravesse uma crise de criatividade, tão minimalistas as ideias que tem divulgado.) Até parece que estes quatro anos não foram de governação tão prodigiosa como nos querem fazer crer. Em abono dos actuais governantes: o mercado do eleitoralismo é um manancial sem fim; por mais que um governo ache que muito, e de bom, fez durante uma legislatura, o terreno das ideias de concretização futura é tão fértil que um programa eleitoral é um interminável rol de promessas. Assim como assim, governar é uma obra sempre inacabada.


De todas as propostas que foram dadas a conhecer, a que leva a palma de ouro é a pomposamente apresentada pelo "engenheiro" no dia em que tivemos o prazer de conhecer o programa eleitoral dos socialistas. Por cada infante nascido, duzentos euros em caixa. O "engenheiro" revelou que está muito preocupado com a crise demográfica que amedronta o futuro longínquo da pátria. Ora isto motiva dois comentários. O primeiro em jeito de interrogação: o envelhecimento da população não foi descoberto há duas semanas. Já há mais de uma década que os demógrafos anunciaram o fenómeno. Por que motivo o "engenheiro" e entourage esperaram para só agora, quatro anos depois de terem pegado no leme da coisa, descobrirem o problema – ou uma solução para o problema, ao retardador? Depois os políticos ficam abespinhados quando alguém os acusa do pior que a demagogia contém. Segunda observação: folgo em saber que o "engenheiro" e quem pensa por ele afinal se interessam com o longo prazo. Nada mal para quem, há uns meses, enfaticamente anunciou que a política económica pós-crise seria – e parafraseio – "Keynes, Keynes, Keynes". É que Keynes ficou conhecido por dizer que no longo prazo estamos todos mortos.


Acho a ideia enternecedora. Lá está, mais um dos "desígnios nacionais" que são anunciados com dramatismo, só para ver se conseguem mobilizar a "nação" em força. Em contrapartida, creio que a inteligência dos eleitores nunca foi assaltada de forma tão flagrante. Com esta fantástica proposta faz sentido a metáfora da cenoura e do burro. Espera-se que a malta vá no engodo. Duzentos euros são duzentos euros. Também se espera que saibam que não podem meter a pata nos duzentos euros, que ficam imobilizados numa conta bancária até que os infantes atinjam a maioridade. Isto cheira-me a: i) oportunismo (a demagogia do período eleitoralista); ii) bodo aos pobres; iii) chico-espertismo.


É como se os patrícios fossem convidados a desatar numa fornicação interminável para aumentar a prole. O que motiva três dúvidas: primeira, tenho a impressão que a produtividade nacional se vai ressentir dos esforços reprodutivos. Segunda, não sei se a senhora ministra da saúde achará graça à ideia. Afinal, a reprodução da espécie em imitação dos coelhos exige mais actos sexuais sem a protecção do preservativo, o que pode levantar graves problemas de saúde pública. Terceira, acho intrigante o silêncio da hierarquia eclesiástica. Esta luminosa ideia é um convite à libertinagem da libido, tão em contramão com a quase castidade aconselhada pelos fazedores do catecismo católico.


Estava às voltas com este diamante bruto da demagogia quando me ocorreu uma ideia que deixo à consideração dos politólogos que estudam o fenómeno eleitoral e os sistemas políticos: e se, nos boletins de voto, fosse dada a possibilidade dos eleitores depositarem um voto negativo? Funcionava deste modo: à frente de cada partido, duas quadrículas. Na primeira, a cruz inscrita manifestava uma intenção de voto. Se a cruz fosse colocada na segunda quadrícula, os escrutinadores teriam que descontar um voto àquele partido. Desconfio que se os eleitores pudessem votar com o chicote (conceito que acabei de inventar, mas que não é muito diferente da ideia, consagrada pelos politólogos, de "votar com os pés": votar num partido para não deixar que outro continue no poder) teríamos a receita mágica para combater a abstenção. Os eleitores podiam penalizar nas urnas um partido que se distinguisse pela mais absurda de todas as propostas eleitorais. Seria a vingança contra o assalto à sua inteligência.


Sonhar em voz alta não custa. A simples ideia de ter o boletim de voto entre as mãos e colocar um voto negativo no PS é das melhores maneiras de começar um dia.


(Em Tavira)

3 comentários:

Milu disse...

Desgraçadamente não há por onde escolher. Basta lembrar-me dos outros candidatos para além de Sócrates, para que as entranhas se me revolvam num tumulto. Até porque penso que foi grandemente prejudicado pela deflagração da crise. A vizinha Espanha, por exemplo, onde Sócrates não é perdido nem achado,também não está em melhores lençóis. Contudo, não esperava esta desconsideração pelos portugueses vinda de Sócrates, um político que ainda há pouco tempo admirava e em quem depositava muitas esperanças. No fundo, esta medida reflecte a ideia que os políticos têm dos portugueses. Dirigem-se a nós como se fôssemos todos uns mentecaptos! Mas isto não é só o Sócrates! Se atentarmos no P.Portas vislumbramos na perfeição que nem ele próprio acredita no que diz. Normalmente opta-se pelo mal menor!

PVM disse...

Milu:
Três comentários ao seu comentário:
1. A crise como pretexto para ser complacente com a governação dos países é uma falácia de todo o tamanho. Tenho uma visão contrária: por maior e imparável que tenha sido a crise ficou à mostra a incapacidade dos governos dos países para combaterem eficazmente a crise.
2. Concordo consigo: o actual primeiro-ministro, tal como o líder do CDS, claramente não acreditam naquilo que dizem (eu diria: naquilo que lhes dizem para dizer).
3. Discordo com a sua conclusão: cá por mim, recuso-me sempre a optar por um mal. Ainda que todos os outros sejam males maiores. Na minha maneira de ver: este senhor, que sem saber bem como desembarcou no cargo de PM, está muito longe de ser o mal menor. Na minha maneira de ver, olhando às circunstâncias e à conjuntura, é claramente o mal maior.

Milu disse...

Também penso que o argumento da crise não serve para justificar todos o disparates resultantes da falta de capacidade para governar, entendo, isso sim, que a crise veio, em certa medida, tornar as coisas mais difíceis. Penso eu! Quanto ao resto cada vez sei menos! Na verdade, a minha ideia de como deveria ser é bem simples, ou seja, havia de aparecer um governo que fizesse todas as reformas necessárias e indispensáveis para a consolidação da economia em Portugal, doesse a quem doesse! No final do mandado se perdesse as eleições que se lixasse, a obra estava feita e a história far-lhe-ia justiça! Mas não! Assim que se sentam na cadeira do poder é como se esta tivesse cola.