26.8.09

Por que se insiste em publicitar medicamentos para a “disfunção eréctil” nos intervalos de jogos de futebol?


Como podemos escapar à vigorosa maré dos estereótipos? Eles doem, sobretudo quando esbarram nos modismos escolhidos pelas elites bem pensantes. Por exemplo, fica mal arrumar as pessoas consoante o sexo. Hoje fica mal a um varão encher o peito de ar e pavonear tiques marialvas; fica-lhe mal gabar-se de não pôr as mãos nos utensílios da cozinha, ou que a lida da casa é para as mulheres, ou que não muda a fralda ao infante que berra no berço. Um daqueles modismos, tão proclamado aos quatro ventos, é o da igualdade dos sexos.


De modo que hoje já não é de bom-tom dizer-se que "isto é para os homens e aquilo deve ser feito pelas mulheres". Não vão as militantes feministas protestar de forma inflamada. Ainda não se chegou ao ponto de os homens começarem a envergar saias, ou a pintar unhas e olhos. Apesar de artistas da música pop não terem vergonha da andrógina aparência que cultivam e que, consta, faz um tremendo sucesso junto do sexo feminino (o que levaria a especular se as fãs não são lésbicas recalcadas).


Palavra de honra, concordo que os maus hábitos legados por gerações anteriores são anacronismos que merecem ser varridos do mapa. O macho alfa, esteio da família, que chegava a casa cansado da caçada e, depois de enlamear os tapetes com as suas botifarras, esticava os pés no sofá e ordenava à consorte que lhe tratasse do opíparo manjar; o "cabeça de casal" que só tinha orgulho másculo se coleccionasse um punhado de amantes pela geografia limítrofe. Mas, por mais que nos custe, há estereótipos de que não conseguimos fugir. Para mal dos pecados das feministas que querem impor a igualdade à força, nem que preciso seja atropelar cânones da natureza, ainda é o homem que tem o fálico órgão reprodutor que só funciona quando é bombeado de sangue. E como isto é dramático, a avaliar pela campanha publicitária que, nos intervalos dos jogos de futebol, sensibiliza a homenzarrada com dificuldades na função que pode deixar de as ter se tomar aquele medicamento.


(Há uma campanha de sinal contrário, mais discreta, meio escondida nas páginas de jornais: medicamentos contra a extemporaneidade da função – ou, na terminologia técnica que parece ser o véu que esconde um certo pudor vitoriano que nos consome nestas coisas, "ejaculação precoce". Curiosamente, essa publicidade não passa nos intervalos dos jogos de futebol, o que pode ser uma indicação do escalão etário da clientela viciada no futebol que encharca as televisões.)


Eis o duplo estereótipo. Primeiro, a "disfunção eréctil" (outro eufemismo que mascara a vergonha – como se disso houvesse necessidade –, com a palavrosa tecnicidade a trabalhar para arranjar uma expressão que suavize o problema, o da impotência) não atinge as mulheres, por melhores que sejam os esforços igualitários das feministas. Segundo, os homens são o público-alvo da publicidade que entremeia as duas partes de um jogo de futebol na televisão. Os sacerdotes do politicamente correcto andam desatentos. Já deviam ter reclamado contra aquela publicidade. Ela exclui uma minoria – se as mulheres, por frequentarem em menor número os campos de futebol, para o efeito puderem ser consideradas minoria.


Forçando o prisma, até se entende o silêncio dos penhores da sagrada igualdade: assim como assim, os jogos de futebol que cativam aos homens (acredita-se, sobretudo aos afectados pela "disfunção eréctil") mais atenção do que as consortes, enfim com alguma utilidade. Os varões podem tirar partido dos intervalos dos jogos e obter receituário que lhes consinta a satisfação de um dos deveres conjugais. O futebol passa a ter serventia para as mulheres, mesmo para as que tantos ciúmes dele têm, pois os consortes tratam melhor o futebol do que as senhoras que esposaram nos bons velhos tempos. E assim teríamos o futebol, em comandita com a prestimosa indústria farmacêutica (a ordem dos factores é arbitrária), a contribuir para a harmonia familiar. Uma segunda lua-de-mel para gente de meia-idade, outra vez intumescido o membro condenado à flacidez não fosse o milagroso tratamento da "disfunção eréctil".

2 comentários:

Milu disse...

Ri-me com este seu texto. Você corta a direito,não perdoa nada a ninguém. Não o levo a mal, nem para isso me sentiria à vontade, afinal, eu mesma também assim sou. Dificilmente me esforço para tentar justificar o injustificável.

Desconhecia que os homens que usam adereços femininos, maquilhagem, etc, são muito apreciados pelo sexo feminino. Talvez. Por mim não de certeza. Só de imaginar ao meu lado um homem de lábios pintados faz-me estremecer de repulsa. Não vou em vagas patetas. Mas acredito, que um dia o mundo seja bem diferente de como o conhecemos hoje. Não gosto de enveredar pela profecia, mas uma verdade se impõe, é que o homem está cada vez mais feminino.

PVM disse...

Isto foi apenas um ensaio (falhado?) de sátira. Tal como o texto que se seguiu (sobre a frigidez das feministas). Não são textos para retirar grande significado...
PVM