20.8.09

Um bocado de corpo no meio de tatuagens (outro fresco estival)


As tatuagens que de ano para ano enxameiam cada vez mais corpos e corpo distraem uma distracção. Passo a explicar. A vista arregala-se com corpos – e, se me é permitida a confissão heterossexual e, juro, nada marialva, a observação restringe-se aos corpos femininos. É na praia que os corpos estão mais próximos da sua natural nudez. Não é por pudor que desvio o olhar de esbeltos corpos femininos. Não vou ao ponto de fazer disto um passatempo que muito me aproximaria de um voyeur a carecer de tratamento psiquiátrico. Aliás, o mal de ir à praia e estar cercado de corpos com muita nudez à mostra é que de tudo se vê. Tanto os olhos se deleitam com corpos esbeltos como notam a agressão visual do seu contrário.


Continuo a explicar por que razão as muitas tatuagens distraem a distracção obsequiada pela temporada estival. A tinta das tatuagens e os múltiplos desenhos que ornamentam os corpos distraem a atenção dos olhos para os enfeites que os artistas do género espalham pelos corpos. Ou seja, os olhos fitam a profusão de tatuagens em vez dos corpos. Volto ao de há pouco: nem sempre a distracção das tatuagens é coisa má. Naqueles corpos de adiposidades abundantes, as tatuagens são um bálsamo. Os olhos focam a tatuagem e distraem-se do corpo disforme – é o que dá quando um detalhe desvia a atenção do conjunto.


Todavia, as tatuagens têm desvantagens. Primeiro, as tatuagens que ornamentam graciosos corpos femininos retiram a atenção aos corpos em si. Já não há mister de apreciar o dom da natureza com que certas mulheres foram agraciadas (um crente corrigir-me-ia: o atributo divino, não o dom da natureza). Um corpo aprumado fica escondido pelo detalhe de uma tatuagem. Outra vez: os olhos focam-se no pormenor do desenho que evaporou a naturalidade da tez e perdem a harmonia das formas do todo. Segundo, as tatuagens desviam o olhar para corpos masculinos. Não é o corpo masculino que cativa a atenção; é a tatuagem que aparece num corpo de um homem e que actua como íman para a vista, forçando-a a um desvio de trajectória que outrora não estava programado na mente. O heterossexual orgulhoso (não confundir com um qualquer marialva apatetado) sente-se contrariado.


Longe de mim censurar as tatuagens e assinar por baixo o desvario (outro) da ASAE, que há tempos quis meter a pata proibicionista na feitura de tatuagens. Isto como mote para a terceira contrariedade das tatuagens: a questão estética. O que vem a seguir é uma verdade muito pessoal, tão relativa como todas as verdades – e tão relativa como os padrões estéticos que povoam os gostos individuais. As tatuagens desfeiam os corpos. Há-as muito pequenas, não sei se sinal da timidez de quem as quis colocar numa parte quase escondida do corpo. Há-as em partes – como direi? – sugestivas do corpo: junto ao umbigo ou, a que tem a minha preferência, nos fundilhos das costas. Como há quem cometa a ousadia de ordenar aos artesãos a injecção de fartas doses de tinta que resultam em avantajadas tatuagens. O produto final é algo que em mim causa confusão: a perenidade do desenho que toma conta do lugar onde antes estava a naturalidade da epiderme.


Por fim, outra consideração estética que não abona em favor das tatuagens. É um estereótipo de futebolistas e de artistas de duvidosa estética. Outra verdade com o peso da sua relatividade: uns e outros, gente pouco recomendável como ponto de mira estético. Mas, lá está, nisto dos gostos o que embeleza a riqueza do mundo é a relatividade das preferências.


Daqui apenas protesto um egoísmo: as tatuagens desviam o olhar das maravilhas da natureza que resultaram em certos corpos femininos. O resto – a duvidosa estética, a perenidade das tatuagens, o embuste dos hieróglifos chineses e árabes que escondem mensagens que apenas interessam a quem ostenta a tatuagem (o que me divirto a pensar como esta gente pode ser enganada ao acreditar que os hieróglifos significam uma coisa quando afinal significam outra muita diferente) – fica com que tem a coragem de as fazer, as muitas e fartas tatuagens.

2 comentários:

Milu disse...

A minha opinião, muito pessoal, diga-se,é a de que as tatuagens apenas combinam com a juventude, talvez haja da parte dos jovens uma vontade de interceder com a obra da natureza que é o seu próprio corpo, dotando-o, eles mesmos, de mais um adereço. Contudo, penso que numa idade mais avançada, uma tatuagem desfeia brutalmente, principalmente os corpos das mulheres, que devido ao seu sistema hormonal está mais propenso para adquirir as tais inestéticas adiposidades além da flacidez. Peço perdão, porque talvez esteja a ser preconceituosa. Assumo que, apesar da minha mente aberta e receptível à novidade e ao diferente, nem sempre vou em modas. Por isso digo: Tatuagens e idade não combinam. Porque não confere a elegância que deverá distinguir uma mulher menos jovem. Em tempos tive uma colega adepta das tatuagens, até nas costas de uma mão tinha uma. Entretive-me algumas vezes a olhar para ela e a tentar imaginar qual o impacto que aquela profusão de tatuagens faria a quem a observar alguns anos mais tarde. Sujeita-se a que a bela rosa tatuada no ventre pareça, então, um triste e envelhecido cardo!

PVM disse...

Sim, as tatuagens combinam com juventude. O problema é que todos envelhecemos. E a todos toca a flacidez ou a gordura, ou as duas ao mesmo tempo. Nessa altura, é como diz, o que foi tatuado já não parece o que é. E já é tarde para ser reversível.
PVM