Há por aí uns personagens que transpiram carradas de narcisismo e que treparam ao estatuto de pessoais embirrações. Só encontro uma explicação: por trazerem atrás de si todo aquele narcisismo, um convencimento agreste que se esbofeteia em todos os demais, os coitados que não chegam para sequer morder nos calcanhares de quem exibe tamanha bazófia. Este é dos defeitos da espécie que mais me incomodam. Se não se lhes pode recomendar que desapareçam do mapa, ao menos que tomem um banho de humildade para refrear tanto narcisismo.
(Algumas narcísicos que me ocorrem, com o encantador Mourinho a liderar este particular campeonato: o grande líder da pátria, o rapaz a quem o galardão de melhor futebolista do mundo parece ter produzido efeitos adversos, o patético primeiro-ministro italiano, alguns operários de artes diversas que arrogantemente desfilam a fama, gente que anda pela ribalta efémera e que se passeia na rua com o nariz espetado ao alto, com aquele olhar de desdém que parece selar uma fátua superioridade.)
O contraponto: dirão que a implicância com os narcisistas se deve a inveja. Ou à má convivência com a fama que os arrogantes adquirem, por me ser doloroso sabê-los imersos em tanto sucesso. Seja o que for, esta gente vaidosa que alardeia em público os seus elevados dons revolve-me as entranhas. Sabemos que Mourinho se acha o melhor treinador do mundo, e que ninguém cala a prosápia de Cristiano Ronaldo. Já não é tão certo o estatuto que este primeiro-ministro a si chama quando assegura que os ventos da democracia nunca sopraram um timoneiro tão venturoso quanto ele. Ou que Lobo Antunes sobe aos tamancos da reputação de escritor para destilar o seu auto-convencimento. Sabemos tudo isto. A tal ponto que é dispensável, por serem cansativas, tantas exibições de narcisismo com que andam pela praça pública.
Desconfio que os narcísicos tiveram infâncias ou adolescências atormentadas. Se calhar eram alvo da zombaria dos outros. O estrelato é um acerto de contas com os recalcamentos de antanho. Só que os demais, que não os conhecem desses tempos, não têm culpa dos recalcamentos. Escusávamos tanta grandiosidade pessoal esbofeteada à exaustão, sempre lembrando do luminescente estatuto de que gozam em contraste com a mediocridade onde os anónimos vegetam. Não sei o que me azoa mais: ver os Mourinhos darem à costa e, com jactância, bolçarem "eu sou o maior", ou ver o respectivo séquito confirmar o estatuto, aplaudindo com notória acefalia.
De tudo isto, uma introversão: noutro registo, divirto-me com a altivez de alguns colegas que puxam lustro às credenciais académicas. Fazem gala do "professor doutor", complemento obrigatório da assinatura que sai do punho e, julga-se, argumento definitivo de autoridade. É uma derivação de narcisismo. Também aqui se pode contrapor: mas esses "professores doutores" afinal não são professores doutores? Não terão direito a engalanar o nome com o título na correspondência que assinam, nos cartões de crédito e de débito que os bancos distribuem, no tratamento pessoal que exige a apensação da credencial académica?
Inclino-me a responder que se trata da mesma jactância dos narcísicos. Só mesmo por cá (ou em terras onde o formalismo se sobrepõe à substância) para exigirmos que nos levem tão a sério quanto as credenciais deste género fazem supor. Só que então noto o seguinte: se disser que não assino com o título académico, que não exijo esse tratamento nem nas relações profissionais, ou que os cartões bancários só têm o nome do registo civil, não estarei a ser narcisista ao contrário?
Isto faz-me lembrar a dança descompassada entre a vaidade e a modéstia. Só que a falsa modéstia é, lá no fundo, uma exibição (disfarçada) de vaidade.
1 comentário:
oi.
Andava a pesquisar "algo", em concreto - ideias para ilustrar um post meu também sobre narcisismo em www.deusesdaseiva.blogspot.com e fui parar a este teu post que gostei bastante. Por vezes o texto cai um pouco no demasiado rebuscado mas ao mesmo tempo adoro a forma como se pode saborear essas palavras mais luxuosas.
Bom trabalho
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