Musa de poetas e músicos. Inspiraste fantasias ímpares. Houve quem te sagrasse como mistério, a mítica atracção terrestre – como se os termos da equação se invertessem e fosse a lua a centrípeta força e a Terra abandonada à condição de satélite. Houve quem, cultor de teorias da conspiração, desconfiasse da ciência e jurasse a pés juntos que jamais o homem havia pisado o solo lunar. Afinal, ó lua, onde guardas o teu mistério?
Dirão uns: é das suas múltiplas personalidades. Lua cheia, quarto minguante, lua nova, quarto crescente, mais as mutações intermédias. As diversas caras que a lua mostra ao paternalista planeta de que depende. E nós, daqui em baixo, contemplamos a esquizofrénica lua, extasiados. Invejamos as múltiplas personalidades lunares, cansados por certo da personalidade que calçamos.
Talvez o mistério da lua esteja no hipnotismo que em nós semeia. O ar contemplativo que pomos quando nos deixamos enfeitiçar por uma das caras da lua. Dizem que o mistério – e o encanto – maior acontecem quando a luz mostra toda a sua grandiosidade espelhada na lua cheia. Dir-se-ia que o tempo se paralisa enquanto admiramos o feixe de luz incandescente que brota da lua tão grande que se esbarra na pequenez da Terra. Outra vez as coisas imersas nos seus paradoxos: seria a Terra atraída pela gravitação lunar, desmentindo as lições dos astrónomos.
Talvez seja isso: o encantamento enquanto fitamos a lua cheia que invade a escuridão da noite. Alguns já lhe chamaram o sol nocturno. Há quem teça loas à resplandecente luz alva que dela emana. E quem veja azul no feixe de luz que a lua irradia. As fantasias emparelham-se com a infinita imaginação humana. Lobisomens, ou coisas que só acontecem quando a luz se põe cheia, ou catástrofes que vão acontecer no eclipse lunar – mesmo que depois a realidade venha desmentir a verificação dos cataclismos teorizados por um saber fantasioso. Daqui a uma interrogação que não pode esperar: dedicamos tempo excessivo à lua, na sobrevalorização do seu papel que não deixa de ser o de um satélite que gravita em torno de nós?
Ocorre-me uma explicação: o eterno cansaço do que somos, ou donde estamos. Aprisionados pelo que somos. O local onde estamos acantonados, o cárcere que impõe os nossos limites a uma certa pequenez. A lua, a inacessível lua, um prometido, sonhado destino de libertação dos espartilhos da rotina que asfixia. O olhar projecta-se para o alto céu onde nidifica a lua. É a lua que deposita os sonhos, as fantasias da gente fatigada daquilo em que se tornou, ou fatigada do sítio que se transformou em sua prisão. E os pensamentos descolam do ser e voam na direcção da lua, da desconhecida e talvez por isso tão atraente lua. Só o corpo fica preso ao chão. O pensamento escapa-se, atraído pelo magnetismo da lua que, lá do alto, exerce uma misteriosa força centrípeta. Eis o sentido de uma expressão idiomática que tão bem conhecemos: "andar com a cabeça na lua".
As metáforas tecem-se nos seus múltiplos significados construídos. Por quem as edifica e por quem nelas mergulha como seu hermeneuta. A lua é de um terreno fértil para as metáforas. Seja esse o seu equinócio com o consagrado mistério que a envolve. Mas a lua é apenas o satélite que gravita em torno do planeta de onde tanta fantasia se elabora. Tenho a impressão que também aqui a ciência desmonta todas as singulares efabulações que terminam em metáforas mil.
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