8.1.10

Mixed feelings


É curioso: um numeroso coro protesta contra a prioridade dos políticos ao casamento entre homossexuais. Muita gente, supostamente lúcida e emproada na sua auto-sensatez, reclama contra esta mania de desviar as atenções do essencial para o acessório. Todavia, o tema convoca mesmo as atenções. A avaliar pelo interesse dos meus alunos pelo assunto. Também é curioso que gente tão  nova seja tão preconceituosa em relação à possibilidade de dois homossexuais se casarem. (Descontadas algumas pontuais excepções – ou então há mais gente silenciada por vergonha de se manifestar contra a bazófia homofóbica dominante.)

A maré caudalosa de sensações contraditórias prossegue. Alguns aceitam a extensão do direito ao matrimónio aos homossexuais. Mas proclamam-no com um ar de desdém, com alguma contrariedade à mistura. Como se percebessem que está dobrada a página do conservadorismo de antanho, agora que as janelas se abriram aos novos ventos soprados de outras latitudes e que por fim chegaram à extremidade da Europa. Apenas cavalgam na maré, sem ser uma adesão espontânea. Aproveitam para fixar os limites da sua generosidade: os homossexuais podem-se casar ("é lá com eles" – o tal desdém em mal disfarçada sobranceria), mas nem pensar em adoptarem crianças. Ouvi o argumento mais improvável (e improvável por sair da boca de alguém acabado de deixar a adolescente idade): "imagino uma criança destas na escola a dizer que o pai se chama Joaquim e a mãe se chama António. Imagino a chacota dos outros meninos".

Surpresa seria se o PS – o tal partido dos compromissos, tão dividido ao centro que se atropela na sua esquizofrenia – tivesse juízo para propor uma legislação coerente. Acham que são muito vanguardistas porque, num acto generoso, estendem o matrimónio aos homossexuais. Mas impedem-nos de adoptarem crianças. De uma assentada, os socialistas conseguem dar uma no cravo e outra na ferradura. Um dos propósitos do casamento não é constituição de família? Se os homossexuais se podem casar, uma das consequências lógicas é admiti-los nas listas de espera dos candidatos à adopção. A seita socialista, na habitual covardia das meias-tintas, eliminou uma discriminação (casamento), mas manteve outra (possibilidade de adopção). É que nisto, quando damos um salto no vazio já não podemos recuar. Ninguém consegue tomar banho sem se molhar.

Já o disse antes: totalmente a favor da legalização do casamento de homossexuais. No entanto, descobri algumas contradições deliciosas. Os conservadores, que gostam de adicionar um substantivo que empresta ao casamento um lastro de respeitabilidade – "a instituição" do casamento – choram pelos cantos acusando a crise da instituição. Indignam-se contra a enxurrada de divórcios, a seu ver um espelho da leviandade com que as pessoas encaram a "instituição". Não lhes agrada que haja cada vez mais gente que junta os trapinhos sem passar pela bênção de um padre ou pelo crivo da conservatória do registo civil. Os apóstolos das vanguardas insistem que o casamento é demodé. Logo agora que outra vanguarda – os homossexuais – querem que lhes seja legalmente reconhecido o direito ao matrimónio. Será que o casamento vai voltar a estar na moda?

Outro exemplo de sensações contraditórias: é compreensível que a ideia esteja a ser mal digerida pelos sectores mais conservadores. Como já perceberam que a paisagem parlamentar é favorável à aprovação da lei que estende o matrimónio aos homossexuais, os conservadores encontraram uma tábua de salvação: um referendo. Não aprenderam nada com o passado. Não aprendem, acima de tudo, que opções individuais de vida nunca deviam ir a referendo. Deviam aprender com o insólito enamoramento da extrema-esquerda caviar pelo liberalismo (outra sensação contraditória muito deliciosa). Os conservadores mantêm uma secreta esperança que o povo – aqui, por oportunismo, sábio – tire o tapete aos partidos da esquerda e da extrema-esquerda que teimam em legalizar o que é (também o ouvi da boca de um aluno) "anormal".

A surpresa está na rapidez com que se juntaram noventa mil assinaturas que levaram o abaixo-assinado ao parlamento, obrigando à discussão do assunto pelos deputados. Há pequenos partidos que não conseguem reunir sete mil assinaturas exigidas para a sua legalização. Em poucas semanas, este movimento conseguiu juntar noventa mil assinaturas. Ontem percebi tudo. Um aluno disse que na aldeia minhota onde vive o padre sensibilizou os fiéis para tomarem atenção a umas pessoas que, à saída da missa, iam recolher assinaturas para uma "causa nobre". De uma vez por todas, a igreja devia formar um partido.

1 comentário:

Milu disse...

Esta é a essência do ser humano. A missa foi o veículo usado pelos padres, para inspirar os paroquianos a cometer um acto que vai contra a liberdade individual, mas, porque não é a mesma missa capaz de os tornar melhores e mais justos, a eles, padres e paroquianos?! Conclui-se, por conseguinte, que quando é para fazer mal ao próximo, todos acorrem e bem depressa.

Quanto ao preconceito nos jovens, chego a pensar que há um certo retrocesso nas gerações jovens, que se deverá à dificuldade em saberem pensar por si, na medida em que nasceram num mundo em que tudo está feito. No fundo estão a emitir a opinião que ouvem em casa e no círculo de amigos, etc.