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Os tipos que adoram vitimizar-se em público, como se fossem a ralé da espécie. Tão maus, tão odiáveis, tão desaconselháveis como companhia. E tão sequiosos de comiseração. Na aparência, a antítese do narcisismo. Mas, no fundo, esta auto-fobia não passa de um narcisismo com contornos diferentes. Narcisismo revolvido pelas entranhas. E, contudo, um narcisismo. Quando escrevem textos pungentes de auto-mortificação, como quem anuncia aos quatro ventos “não olhem para mim que só encontram desgraças”, lá no seu íntimo saberão que está é a receita para convocar muitos olhares.
Não sei de que patologia se trata. Ignoro que apertadas paredes percorreu a sua labiríntica adolescência. Haverá ali um viveiro de traumas que aconselham expiação pública? Terão algum prazer interior em mostrar as pungentes pessoas que são, só para entrarem no reservado escol das injustiçadas vítimas de qualquer coisa, só para cativarem a compaixão alheia?
Isto mete-me confusão. Estas almas penadas a passearem a sua desgraçada existência em textos que puxam à lágrima. Dirão que não pretendem que os leitores escorram lágrimas de pena. Não ignoram que o que mais abunda por aí é gente que amolece ao esbarrar em histórias que são um pesado fardo de adversidades. Não acredito que não saibam, no seu íntimo, que o interminável rol de calamidades interiores desata a colectiva solidariedade quando os outros tomam conhecimento que tamanha alma penada povoa o planeta. Se não se quisessem exibir como uma das piores criaturas à face do planeta, trariam em forma de letra publicada as suas histórias tortuosas? O que vai na cabeça de alguém que se expõe como se mostravam outrora as aberrações em circos, ou os tristonhos animais selvagens no cativeiro de um jardim zoológico?
Não digo que cada um não se sinta acossado por interiores fantasmas que desatam dúvidas. Agora só falo por mim (mas estendo a interrogação aos demais): quem não é assaltado por uma desconfortável sensação de andar alijado dos sentimentos agradáveis da existência? Nem que seja por instantes, naqueles dias em que inexplicavelmente o mundo parece ter acordado ao contrário e todas as forças parecem conspirar contra nós. Aposto que até as mais narcísicas personagens, aquelas que se olham demoradamente ao espelho enquanto começam a manhã com a rotina da auto-glorificação, até estas se entregam a momentos de enjoo pessoal. Daí a prolongar esses instantes fazendo deles a norma do tempo, é o espaço que medeia entre um devaneio e a patologia.
As doenças carecem de terapia. E eis que começo a destapar o enigma – pois que de um enigma se trata quando alguém põe a nu, sob a forma de letras publicadas, as desgraças em que macera. Verter as desgraças que os consomem em palavra para os outros lerem é o tratamento a que se entregam. É preciso coragem. Nestes tempos em que individualismo e egocentrismo são vistos como uma mesma coisa (o que não é acertado), o que mais se vê por aí é gente a agigantar a imagem que tem de si mesma. Este é o tempo de todos os narcisismos. Do triunfo da sobrevalorização individual, às vezes elevada a níveis grotescos, talvez como válvula de escape para obnubilar as fraquezas que não podem ser expostas.
Os que adoram ser olhados pelos outros como coitados escapam ao narcisismo que tem vingado como forma de estar. Há neles uma coragem que merece aplauso. Ao menos fogem da maré dominante onde flutua um numeroso rol de luminárias, só gente brilhante – pelo menos para o privativo espelho em que praticam a auto-louvação matinal. Só que a uma maré cansativa opõe-se a contra-maré que padece do mesmo mal. Os poucos intérpretes do “desgraçadismo” enformam a fadiga pelo lado contrário. De tanto convocarem a piedade dos que vertem lágrimas de desconsolo pela desdita alheia, emprestam-se ao lado oposto do narcisismo. Que também é um narcisismo.
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