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Um anátema da era que é esta: a cisma em vasculhar a intimidade dos outros. Às vezes, proto-figuras públicas vendem a alma ao diabo para que a sua intimidade seja escancarada nas páginas da especialidade. Outras vezes, um largo exército de inocentes apanhado na esparrela dos modernos inquisidores que se servem de potentes máquinas fotográficas, ou de microfones de longo alcance, para revelar o que sussurram as figuras públicas.
Que interessa aquilo que segredam, se o que segredam, sendo segredo, devia estar vedado à sanha dos alcoviteiros? Não há distinção de grau. Enlameiam-se nisto os alcoviteiros que espiolham as imagens em câmara lenta para ler nos lábios as palavras segredadas, ou os que se excitam ao descobrirem o que foi dito nos supostos corredores do segredo. Como não escapam à lama os alcoviteiros que desatam numa correria para o quiosque onde repousa a revista da especialidade que desvenda o que tinha sido dito entre dentes. Entoe-se a pergunta outra vez: o que interessa o que as pessoas dizem no recolhimento da privacidade?
Ontem foi o vice-presidente dos Estados Unidos apanhado numa, dizem, comprometedora gafe, quando celebrava com Santo Obama uma vitória legislativa. De repente a memória tropeça noutros exemplos que fizeram gáudio da imprensa que se desunha por sangue. Um primeiro-ministro, coitado, exultante por acreditar que vai ficar nos livros que registam a história da União Europeia, embriagado pela assinatura do Tratado de Lisboa, festejando com o compadre presidente da Comissão Europeia no popularizado (e revelador) “porreiro, pá”. Um ministro da administração interna numa reunião europeia a tecer comentários que tinham tanto de jocoso como de inveja por causa do presidente francês, esse “D. Juan” (dito pelo ministro), ter conquistado quem conquistou. Na semana passada, um irritadiço (e, por sinal, muito irritante) deputado socialista, Lello de sua graça, a exigir medidas que precatem a privacidade dos senhores deputados, pois andava pelo parlamento um fotógrafo a tirar fotografias ao que o Lello deputado via no seu computador pessoal.
Agora entendo quando vejo personalidades públicas a falar ao telemóvel ao mesmo tempo que tapam a boca com a outra mão. Ou os treinadores que, no banco de suplentes, sussurram a táctica para o adjunto, escondendo a boca enquanto o fazem. Ao início, embrenhado naquela ingenuidade que não me larga, interrogava-me se esta gente que escondia a boca não andaria com problemas dentários. Quem sabe, podia ser que tivessem tirado a dentadura e, enquanto esperavam pela de substituição, envergonhavam-se por aparecerem desdentados. Afinal é outra coisa. Escondem a boca para que os “spotters” não façam uso das potentes câmaras e dos avançados dispositivos que desdobram as imagens em milionésimos de segundo, só para trazerem a público o que devia ser privado. Neste estado da arte, desconfio que a tecnologia cavalga contra a privacidade das pessoas.
Nesta era em que estamos, ser figura encavalitada na notoriedade é muito perigoso. Para começar, perdem o anonimato – esse bem sem preço. Mas o pior é a exposição aos coscuvilheiros que fazem da coscuvilhe forma de vida e alimentam o alcoviteiro imaginário de uma turba desapossada de imaginação e de interesse pela sua própria vida. Vidinha, portanto.
Há quem se especialize nisto. Puxam o som aos microfones alados no largo espectro sonoro. Esquadrinham as imagens em câmara lenta para lerem as palavras nos movimentos que os lábios entretecem. E, quando se pensava que os pouco recomendáveis serviços secretos estavam confinados a um lugar esconso, afinal parece que estão espalhados por todo o lado. Nem que sejam agentes secretos sem a protecção da castidade do Estado, mas agentes secretos à mesma. Atropelando a privacidade de quem, pelos vistos por um mistério insondável, a mereceu perder.
Por que não se decreta de vez a nacionalização da vida privada de toda a gente?
1 comentário:
Brilhante, susbrevo na íntegra; tou ficando fã
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