15.3.10

A imensa capacidade católica para o perdão



In http://elizabethfdeoliveira.blogspot.com

Recorrente. Curas com taras mentais, traídos pelas hormonas. Talvez o problema seja o celibato teimosamente instituído. Uma espécie de castração, dizem voluntária, dos que se alistam na carreira do sacerdócio. Mas uma castração. É contra a natureza da espécie. Estará aqui a explicação para a história sombria da igreja católica com o sexo? E, entre os pecadilhos carnais dos presbíteros, a apetência para o abuso de crianças do mesmo sexo?
Que impere a honestidade intelectual: a pedofilia não se esgota nos homens a cobro de todas as suspeitas, nos homens que usavam sotaina e tinham autoridade moral para atribuir indulgências aos pecadores. Está por todo o lado. Para o que hoje interessa, apenas a pedofilia que traja de negro e se esconde nas sombras das sacristias, dos conventos e dos colégios onde os progenitores acreditavam em educação aprimorada.
É dos manuais: uma posição de autoridade escorrega em proveito próprio. A história da espécie, toda ela passada pelas contingências da fé, foi pastagem fértil para os abusos de autoridade dos guias espirituais. Nunca se haveria de questionar o senhor padre, imerso na aura inatingível de um guia espiritual. Os mais doentes sabiam da estultícia dos imberbes rapazes e da vergonha de que se cobriam se ousassem contar lá fora os jogos lúbricos com os seus “disciplinadores” (cobrir-se-iam de ridículo pois ninguém neles acreditaria). A coberto da vergonha e da ignorância – da mesma ignorância que vem de arrasto com a fé do povo tantas vezes confundida com crendice pagã – foram praticando o que menos se esperava deles. Nunca julgavam ser desmascarados.
E a hierarquia da igreja? Negava. Encobria os episódios que, a custo, chegavam ao conhecimento. O que importava era safar os padres pedófilos. Àqueles que teimavam em destapar a caixa de Pandora, a igreja oferecia um covarde pagamento em troco do silêncio. Era preferível a indemnização em notas ungidas pelo deus temporariamente cego do que a justiça dos homens. Os padres não se podiam sentar no banco dos réus. Essa era a justiça para a gente comum. Um padre é um embaixador de deus, não pode descer ao plano da gente comum.
Mas estes tempos modernos são diferentes. As gentes, mesmo as mais ignaras, já não são tementes – a deus e aos que propagam a sua palavra. Nestes tempos de hedonismo, a fé entrou em crise. Da igreja, queixam-se de caça às bruxas. Tradução: um fundamentalismo anti-clerical. Digo, tão condenável como as cegueiras religiosas. Não passa um mês sem que sejam desenterrados novos casos de abusos de rapazes por senhores padres e eminentes bispos, na maioria de um passado que já aconteceu há muito tempo.
Dir-se-ia que o corporativismo eclesiástico nos ensina um dos mais belos mandamentos das escrituras: a capacidade de perdoar. Neste caso, a hierarquia da igreja ensina-nos a perdoar os que algum dia foram, ou vierem a ser, nossos algozes. É o que o Vaticano se apressa a fazer quando encobre os intermináveis casos de pedofilia na penumbra das sacristias, dos conventos, dos reformatórios, dos colégios católicos. Aos traumas das vítimas? Dizem nada, talvez sejam irrelevantes. A bíblia está carregadinha de exemplos de virtuoso perdão. Cristo andou sempre a apanhar e a dar a outra face. Os que passaram – como dizê-lo? – pelas mãos e pelos desejos lascivos de senhores padres e eminentes bispos deviam estar gratos por serem criaturas de deus. E deviam, humildemente como ensinam os mandamentos, perdoar os seus verdugos.
Portanto, isto está tudo errado. Faz parte da monstruosa campanha para desacreditar a igreja, para afastar as pessoas da bondosa verdade de deus. É o Satanás à solta, personificado nos diabretes que não se cansam de morder nas canelas da santa igreja. Era isto que eles deviam aprender: perante a contrição dos que caíram em pecado, perdoar, perdoar, perdoar. E já estava! Para quê a justiça dos homens? Essa é feita de ressentimento e da atroz vingança. O perdão, ah o perdão, esse sentimento mais nobilitante.
E (muito) sobretudo, actuava uma esponja carregada de detergente anti-nódoas em todas estas polémicas. Em nome da santa, mas nada imaculada, igreja.

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