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"Destruição criativa" – ou a antítese do caos. Ou quando o caos não vomita uma nuvem radioactiva. Devemos o conceito a Joseph Schumpeter. Se quisermos adaptar o conceito à idiossincrasia local e aos seus maneirismos no falar, dir-se-ia "há males que vêm por bem". E não é que se descobre, entre o nevoeiro ameaçador que asfixia o horizonte, que a crise é boa? A crise em que caímos por causa de outra crise: a crise orçamental, alimentada pela crise económica.
Os heróis que ainda acreditam que podem fazer engenharia social assim que chegam aos cadeirões do poder tinham a receita milagrosa para a severa crise em que nos deitámos: prodigalidade do Estado. Como se o governo desatasse a lançar notas do alto de um helicóptero. O Estado salvador, o curandeiro assertivo das maleitas semeadas pelo abominável mercado. Subsídios a torto e a direito, gastos públicos sempre a abrir, que os cofres do Estado podem não estar cheios mas o Estado, ao contrário dos comuns dos mortais, tem vícios sem ter dinheiro. Não é a quadratura do círculo: o dinheiro que paga esta prodigalidade chama-se dívida pública. Ainda por cima, em "modo espiral": o despesismo ainda assim insuficiente para domar a crise que galopava mais depressa, convocando ainda mais generosidade do caritativo Estado. Quando acordámos, o défice orçamental era monstruoso. E o endividamento público também. A sorte é estarmos na União Europeia e, dentro dela, no Euro. Temos até 2013 para corrigir a diarreia orçamental. Os outros tomam melhor conta de nós.
O governo, a contragosto, obrigado a planear a correcção das contas públicas. Já devia ter apresentado o Programa de Estabilidade e Crescimento há quase um mês; ou se avariaram todas as máquinas de calcular, ou a desorientação tomou conta de tudo (ou é a terceira opção que se adivinha). Aos bocados, vai sendo libertada informação. O governo anuncia que vai privatizar empresas públicas para encaixar seis mil milhões de euros. Alguns mastodontes que – para usar uma retórica balofa – são de "todos nós" (porque o Estado, querem-nos convencer, "somos nós") vão deixar de o ser. Portanto: menos Estado na economia. A crise é a sua própria terapia.
Desenganem-se os ingénuos: estes socialistas de lustrina não se converteram ao liberalismo. Com as calças na mão, têm que vender alguns dos adorados anéis, as jóias da coroa que lhes permitem pôr uns olhos muito intrusos na economia. Por uma vez, vou dar para o peditório de um dos modismos actuais e interrogar: o que interessa, o meio ou o fim? Para o caso, é o fim – a dieta do Estado, um salutar adelgaçamento económico. Mas não há histórias perfeitas. Em contrapartida, quem recebe salários mais gordos vai pagar até 45% de imposto. É uma no cravo e outra na ferradura: agradar aos liberais (privatizações) e às esquerdas radicais (os ricos que paguem a crise).
Nestes tempos em que tudo se quantifica (por exemplo, quanto valerá, em custos mensuráveis, a inépcia destes governantes?), sinto-me esmagado pela certeza de que vão entrar seis mil milhões de euros nos cofres públicos com as privatizações de emergência. Não sei se o governo já se apercebeu, mas numa compra e venda há um vendedor e um comprador. Ora, de calças na mão, quem vende não está em condições de ditar o preço a quem estiver interessado na compra. É dos livros que ensinam o bê-á-bá aos principiantes. Desconfio que algumas destas empresas (e participações em capital de empresas) vão ser vendidas em regime de saldo. Chorosos, os governantes (estes, ou os que se lhes seguirem) terão de refazer as contas. Já não vão ser seis mil milhões de euros em caixa. Como vão tapar o buraco que ainda falta? Tremo só de pensar na solução fácil que lhes vai passar pela cabeça.
Uma pergunta para o final: quando acabarem as empresas públicas e os governos do porvir continuarem – é congénito – a escorregar para o descontrolo orçamental, onde vão buscar os anéis se já nem dedos têm?
Viva a crise, pois!
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