22.3.10

Catch me if you can


In http://tudehistoria.blogspot.com/2009/10/origem-da-expressao-brincar-de-gato-e.html
Dantes – há um ano – no auge da crise, os “capitalistas” que tivessem dinheiro em off-shores viam dedos em riste apontados contra os seus rostos. Agora, o governo virou o bico ao prego. Tirou da cartola uma campanha de sedução dos capitais espalhados em demoníacas off-shores. Promete tratamento favorável quando chegar a desagradável cobrança de impostos. Não o diz com todas as letras. O governo deixa a mensagem escrita nas entrelinhas: agora que é tão imperativo salvar a pátria do desastre financeiro, esta era a ajuda que a gente mais endinheirada podia dar. O governo confia na generosidade dos “capitalistas” que ainda há pouco eram apontados a dedo. E na sua inteligência (senão punha lá com todas as letras: “urgente, o benquisto Estado precisa da sua ajuda, senhor(a) abastado(a)”).
O que me leva a uma mão cheia de interrogações. Alguém explica o que motiva estes felizardos que semeiam abastança nas off-shores a repatriarem as fortunas? Se podem continuar a pagar zero de impostos, por que hão-de trocar o sossego pela sujeição ao fisco batoteiro? Conta o governo que estes “capitalistas” de repente sejam assaltados por um brio patriótico? Terá chegado ao conhecimento das personagens que por lá andam, ingénuas, que estes “capitalistas” nada são dados a fazer generosidade com o seu (dinheiro)? O governo acredita em duendes e na Branca de Neve?
Nas horas de aperto, as pessoas agarram-se às tábuas de salvação que aparecem pela frente. Vão bater à porta até dos que foram desdenhados ou maltratados. É que nas horas de aperto deve falar mais alto a entreajuda que é (dizem os optimistas) atributo da espécie humana. Daí que se entenda o governo. É reveladora, a pirueta de cento e oitenta graus. Os “capitalistas” com dinheiro depositado em off-shores já não são uma escumalha egoísta que mandou a pátria às malvas, cometendo a infâmia de fugir aos impostos.
Agora os capitalistas (já sem aspas) voltaram a ser gente recomendável. Sobre eles já não cai o opróbrio de nadarem na abundância material. Mas só se deixarem um quinhão da fortuna nos cofres públicos, depois de pagarem impostos. Com desconto. Diria, esta sedução dos aviltantes “capitalistas” (outra vez com aspas) é um aflito mecenato fiscal próprio dos sombrios dias de crise de que tardamos em sair. Coitado do governo. É o desespero a gritar a pulmões abertos.
Ocorre ao governo que os investidores suspeitem que este aliciamento cheira a esturro? Seduzem o repatriamento dos capitais, acenando com impostos reduzidos. Mas até quando? É legítimo desconfiarem que daqui a algum tempo – e não será muito – o fisco vai cair em força sobre estes ímpios capitais. É uma ratoeira em estado puro. O governo a passar sebo nos capitalistas, julgando que os vai hipnotizar com a causa maior – a causa da salvação nacional, ó desígnio tão vital. Logo que este dinheiro deixasse de estar exilado num paraíso fiscal, continuavam os afagos no dorso. No primeiro ano, por generosidade do fisco, pagavam impostos moderadamente. Uma vez que já estavam dentro da gaiola, nos anos seguintes terminava a complacência. Que ter muito dinheiro é crime e deve ser punido pelo fisco de forma exemplar.
Aposto que esta sedução terá tanto efeito como a de um lunático que seja repositório de fealdade a supor que vai conquistar uma jovem donzela a irradiar beleza. Rejubilo só de pensar que a encenação de sempre vai continuar montada: este dinheiro a evadir-se da mão de ferro do fisco e a aterrar em paraísos fiscais. É que a gaiola em que o governo o quer enjaular não pode ter trancas à porta. Nessa altura, virando-se para trás mal dobra a fronteira, com um largo sorriso nos lábios o maldito capital atira uma frase ao fisco danado: “apanha-me se puderes”.

Sem comentários: