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Ainda não estou à porta do manicómio mais próximo. Para soltar a língua e dizer o que está ali no título é porque coisa excepcional terá acontecido. Ao ensandecimento ainda não cheguei. Para que não haja equívocos: continuo a arrumar o Bloco de Esquerda (BE) na “extrema-esquerda”, por mais que isso os incomode. Pôr este rótulo no que quer que seja não é, na minha modesta maneira de ver, augúrio que se recomende.
Os vivas são pontuais. Quer no assunto, quer no espaço. O BE apresentou uma recomendação na assembleia municipal do Porto sobre a indigna política de abate de animais “vadios”. (Há mais gente vadia do que animais que as convenções assim se habituaram a nomear. Daí as aspas.) O BE convenceu os outros partidos, que lá aprovaram uma mudança de agulha na forma como são tratados os animais que não têm um tecto. (E se se chamasse “vadios” aos sem abrigo?) Daqui para a frente vão ser esterilizados, em vez de serem liquidados ao fim de alguns dias se ninguém passar pelo canil a reclamar a “propriedade”. Não só a medida é mais condigna com o humanismo (já lá vou), como, de acordo com a notícia, até fica três vezes mais barato do que assassinar os bichos.
Os que se atiram contra o terrível antropocentrismo e reinventam a bioética não estarão de acordo. São contra a castração dos animais, porque isso é cercear a sua natureza. Todavia, este lugar (o planeta) está longe do limiar da perfeição. Ao contrário, está carregado de imperfeições. Ora, num lugar tão imperfeito, uma benfeitoria merece encómios. Podia concordar com os radicais da bioética animal quando se atiram à esterilização. Só o não faço porque tenho lá em casa dois gatos e uma cadela que já passaram pela castração – falou mais alto o comodismo, o que, admito, também é antropocêntrico. Mesmo que concordasse com eles, aplaudia a medida que ao menos poupa a vida a animais que, até agora, têm sido brutalmente chacinados quando caem na cilada da funesta carrinha camarária. Fiquei arrepiado com a estatística que vinha na notícia: cerca de 100.000 cães e gatos são abatidos todos os anos de norte a sul.
Os cultores do humanismo e os mais distraídos estarão perplexos quando invoco o humanismo para tratar os animais de maneira decente. Enganam-se se acharem que o humanismo se esgota no tratamento que dedicamos a outras pessoas. Os animais convivem connosco. Quando passamos por um “cão vadio”, ou ao vermos um “gato vadio” a meter o nariz por entre o lixo em demanda de comida, coincidimos no mesmo espaço. Pelo menos no mesmo espaço visual. Esses animais não são coisas inanimadas que mereçam desdém. Eles interagem connosco. Já alguém o disse (mesmo correndo o risco de ser um lugar-comum, estafado como todos os lugares-comuns): uma civilização também se mede pelo tratamento que dedica aos animais.
A vida reserva destas surpresas. Podia lá imaginar que um dia ia dedicar uma ovação a uma ideia da extrema-esquerda caviar? Para os que se apressarem na provocação, insinuando que já estive mais longe da extrema-esquerda chique, urbana, intelectual e com um je ne sais quoi pas burguês, direi para sossegarem as amígdalas. Não diminuiu um milímetro sequer a alergia. Convergimos nesta causa. Aliás, se bem recordo, é o único assunto que me consegue aproximar de uma causa – a defesa de direitos dignos para os animais.
Em jeito de balanço: foi uma convergência pontual. Para meu apaziguamento, diria, lá onde os botões já se desassossegavam, que foi o BE que veio ao encontro de uma causa que tenho por minha.