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Um dia lá atrás, o primeiro-ministro, irritadiço como é cada vez mais frequente, atirou-se a umas palavras do parceiro, o presidente da república. Este havia dito que a economia está calamitosa, que as nuvens que sopram o amanhã são muito negras. Em reacção exasperada, o primeiro-ministro saiu-se com esta preciosidade: lamentou, contristado, que carrega sozinho às costas as energias do país (se não foram estas palavras, andou lá perto).
Ultimamente ando dividido entre dois hemisférios. Perante as alarvidades oratórias do primeiro-ministro, nem sei se as lamento ou se solto gargalhadas de prazer. Naquele lamento, em que mais parecia uma carpideira narcisista, o primeiro-ministro pôs a nu a sua personalidade doentiamente ensimesmada. Isto está a chegar a um nível tal de culto de personalidade que não falta muito para a personagem escrever a sua auto-hagiografia. Das duas, uma: ou o tipo (não é lapso; a palavra foi cuidadosamente escolhida) vive em total estado de negação, ou somos nós todos que andamos em cidadania anestesiada.
Há bocado empreguei outra expressão talvez excessiva – “alarvidade oratória”. Não é nada excessiva. Olhemos com atenção para a lamúria do gajo (não, não me distraí outra vez). Diz que tem as costas largas. Senão, como podia a personagem carregar às costas, sozinho, as energias do país que comanda? Para além do ensimesmar patológico (que fica para análise dos psiquiatras), há ali ignorância e uma brutalidade impensável. É ignorância, porque o presidente da república pode ser a figura desastrada que é, mas sabe da poda quando esboça saudades dos tempos em que era catedrático de economia. Que é como quem diz: os números não enganam, nem precisam de ser anunciados por Cavaco. Se o primeiro-ministro insiste em não saber ler os números, é sintoma do estado de negação que tomou conta dele.
Mas o pior é a brutalidade impensável que se liberta daquele pronunciamento narcísico. É ele, e só ele, que carrega às costas o optimismo da pátria. Como se fosse o único manancial de optimismo, tudo o resto apodrecido pelo tristonho pessimismo. Estas palavras são brutais porque o primeiro-ministro se terá esquecido que é primeiro entre pares. Lidera um governo. Se só ele carrega às costas o optimismo da pátria, nem os seus ministros o acompanham na função. Já o sabíamos propenso à vitimização. Estas palavras são o culminar da ladainha. Será que já nem os ministros o acompanham (nem os mais fieis – e a fidelidade é canina, mas também aqui não me equivoquei na palavra)?
A conspiração é tamanha que até os concidadãos viraram a agulha para o pessimismo, contrariando o particular oásis em que habita o primeiro-ministro. Num barómetro sazonal da TSF sobre a esperada evolução da economia, mais de metade dos inquiridos (54%) espera que nos próximos doze meses a coisa piore. Vou ser oportunista e colar-me ao barómetro, só para anunciar as más notícias que vêm tirar o sono ao predestinado só dentro da sua própria cabeça: entre a canga socialista, 40% está pessimista e apenas 27% perfilha o optimismo fantasista do timoneiro. O que é sintomático.
É assim que estamos. Comatosos. Continuamos entregues a esta gente que nunca foi recomendável, mas que agora é de uma contumácia criminosa. São contumazes por causa do estado de negação em que vivem imersos. Com o hipócrita beneplácito dos outros dois vértices de uma lastimável santíssima trindade: o presidente da república e o clone do primeiro-ministro que habita na liderança do maior partido da oposição. O primeiro cala-se pelo oportunismo do calendário eleitoral (a reeleição que o espera). O segundo quer deixar passar mais algum tempo, para que este primeiro-ministro se vá queimando em lume brando.
No final destas funestas conveniências, já fomos mais uns metros ao fundo na cova em que estamos metidos.
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