2.6.10

Verdades ao gosto do freguês


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Militares israelitas atacam um navio que supostamente trazia ajuda humanitária para a faixa de Gaza. Os sequazes de ambos os lados destilam as suas verdades convenientes. Dir-se-ia: aconteceram coisas muito diferentes consoante a lente que as passa em revista. À direita, acreditam piamente na versão do governo de Israel: os militares atacaram o navio porque foram atacados. À esquerda, o habitual histerismo: este terrorismo de Estado é intolerável, até porque foi perpetrado contra um barco que transportava ajuda humanitária.
A verdade é uma subjectividade do tamanho do mundo. Ou, talvez, sejamos marionetas nas mãos do tiranete maior – a verdade. Como se a procura da verdade seja o oxigénio de que precisamos. Leio os panfletos inflamados escritos por apoiantes de Israel e por apoiantes dos palestinos. O que sobressai é uma crença inabalável na história como ela foi contada pelo lado amigo. É tudo uma questão de crença(s). Ao ler a argumentação sempre muito bem montada por ambos os lados, uma argumentação quase sem brechas, percebo que as provas apresentadas por um lado e pelo outro são aceites sem tergiversações. Lá está, acreditamos em quem queremos, naqueles que contam a história à medida das nossas convicções. Não paramos um momento para interrogar se as provas que o “nosso lado” apresenta são provas credíveis ou provas forjadas. São-no sempre – forjadas – as provas exibidas pelo lado contrário da barricada. Outra vez, crenças.
As versões inflamadas são dois hemisférios que não se encaixam. Uns defendem o acto hostil. Argumentam que aquele era um barco da hipocrisia, com activistas conotados com terrorismo covardemente acoitados num barco em missão oficial de ajuda humanitária. Defendem o ataque militar porque acreditam que as tropas de Israel foram atacadas pelos pacifistas. Do lado de lá, aconteceu tudo ao contrário. Acreditam que foi um acto de força brutal, um ataque deplorável a um barco cheio de gente pacífica. Com a agravante de ter violado as leis internacionais. Às provas apresentadas por cada um dos lados desta ominosa desavença, o lado oposto invoca a sua adulteração. Os apoiantes de Israel não acreditam na brutalidade dos militares. Os apoiantes dos palestinos não acreditam nas imagens que mostram pacifistas a vociferarem contra Israel, prometendo a devastação até Israel estar aniquilado.
Uns e outros acreditam. No que lhes convém. Por entre um conflito sem fim, a maior das impossibilidades no tabuleiro da diplomacia internacional, sobram as crenças que alimentam convicções. É um fenómeno que se alimenta em espiral: como são adeptos de um dos lados, acreditam na versão e nas provas do seu lado, o que reforça a adesão a esse lado da barricada. Desmerecem as provas e a versão em que os adversários (sem pruridos de linguagem: os inimigos) acreditam. A cada acto de barbárie de parte a parte, cava-se o fosso do desentendimento, fermenta-se o ódio pelo inimigo. Não só no terreno, por todo o mundo onde convicções e solidariedades movem muita gente a pronunciar-se sobre assuntos que não são seus.
A incessante exaltação da (sua) verdade é a algema que aprisiona a lucidez. A efervescência anda à flor da pele entre os adeptos de ambos os lados sempre que mais um lamentável episódio de violência toma conta da imprensa. As crenças cegas fazem o resto. Alimentam as convicções petrificadas, embaciam a lucidez.
Uns e outros acreditam. No que lhes convém. E eu não acredito em nenhum dos lados. Judeus e palestinos merecem-se por igual. Ali não há heróis. Só vilões.

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