7.6.10

Nefelibata


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Mete dó. É uma compaixão paradoxal. Um dó que também faz rir. Ele insiste em pavonear os seus dotes, encamisado num tremendo mundo faz-de-conta que idealizou na sua cabeça. Há-de acordar todos os dias imerso em mais uns fragmentos da sua biografia que ninguém há-de escrever – incapaz de perceber que nem como nota de rodapé o seu nome há-de ficar registado nas páginas que contam a história.
Mas ele insiste. Ele e o séquito que sobra, pois já se nota o efeito de erosão quando os ratos começam a abandonar a nau à deriva, a nau à beira do naufrágio. Dir-se-ia que a cada dia em que o leme continua nas suas mãos o futuro se empenha no abismo. As encenações feéricas, aquelas que cativam a imprensa, não passam de manobras de diversão. O que conta não são as asneiras do nefelibata. É de fora que aterra a salvação. As decisões que contam vêm de fora para dentro. Compensando a elevada densidade demográfica de disparate caseiro.
O nefelibata demora-se com o torpor dominante. E com os erros de perspectiva da imprensa, teimosa em fazer mira ao alvo errado. Depois somos insultados com a desonestidade intelectual em ponto de rebuçado: coisas más têm origem lá fora, no mundo imparável em que as suas imensas capacidades, para desdita do mundo, não conseguem ter mão; as coisas boas explicam-se pela sua acção balsâmica. O sentido da realidade está tão turvado (no nefelibata, nos que o acompanham, nos que pastam na prostração instalada), que não se percebe que tudo funciona ao contrário. As coisas más são amplificadas pelo seu dedo desastrado. As coisas boas que ainda nos acontecem têm autoria estrangeira.
Para mal dos pecados, o nefelibata porfia. Com o despautério maior de quem exibe aquele sorriso confiante ao anunciar um paraíso que só existe na sua doentia cabeça. Para mal de todos os pecados, a personagem coloniza notícias (por essas e por outras é que evito noticiários na televisão). A cada dia que passa, o nefelibata teima na pose triunfal e na arrogância grotesca quando alguém, porventura distraído, o questiona sobre feitos que são falácias ou assuntos que lhe são desconfortáveis. Não deviam existir, esses plumitivos inquiridores. Devia haver uma peneira para coar as perguntas. Só passavam as que tivessem panegírica forma. Podia ser que as muitas mentiras, enfim, de tantas vezes aplaudidas, ganhassem espessura de realidade.
Só não é trágico porque estamos encomendados aos destinos do mundo. Mas é dramático: que, por conveniências tácticas, ninguém (com poder para tal) tome a iniciativa de o remeter à insignificância de onde nunca devia ter saído. Que se me perdoe o fatalismo: só nesta terra é que esta mediocridade impante podia ter medrado. Entretanto, ele vai passando entre as pingas da chuva. Convencido que não se molha. O banho ácido, apanhamo-lo nós. Só não é fatal porque os outros, os de lá de fora que silenciosamente nos comandam, compensam as feridas abertas pela sua mão funesta.
Dizia ao início: é de uma compaixão paradoxal. Mete dó tanta prosápia, vê-lo a fazer de si imagem agigantada de uma insecto irrelevante. Ao mesmo tempo, tem outra serventia a procissão encabeçada pelo nefelibata: é o ingrediente certeiro para a galhofa. E como estamos precisados de rir, e muito, para esquecer outras desgraças (impessoais) e para fazer de conta que outras tantas (em forma de gente) pairam em perene auto-elogio.
Esta necessidade é demonstrativa do oposto do cenário montado pelo nefelibata. Só anda à cata de perene elogio quem, no seu íntimo, sabe que o não merece. Só por carência de um ego sem tamanho é que alguém se instala no altar do nefelibatismo. 

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