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Vamos ao dicionário. Xenofobia, substantivo feminino, é um sentimento de “antipatia ou aversão pelas pessoas ou coisas estrangeiras”. Pelo padrão revelado, que não distingue graus de “antipatia ou aversão” pelo que é estrangeiro, quem não é xenófobo? Irrita-me a pesporrência dos espanhóis, como me incomoda a exaltação da fátua grandeza da França, ou uma certa mesquinhez dos alemães. Só para pegar num punhado de exemplos. Isto faz de mim um pouco recomendável xenófobo?
Diria que não (e não estou a puxar os galões ao juízo em causa própria, sempre tão parcial). É que a minha “antipatia ou aversão” começa pelos que compartilham a mesma nacionalidade. O pessoal brio nacionalista anda por níveis abaixo da temperatura de congelação. Há dias, enquanto assistia a uma prova desportiva, o povo em redor levantou-se num pulo quando a banda filarmónica entoou os primeiros acordes do hino nacional. Olhei à volta e estava toda a gente, pelo menos a que a vista alcançava, trinando o bravo hino dos heróis. Acabada a função patriótica, apeteceu perguntar em redor se sabiam o significado da palavra “egrégios”, mas fiquei-me pela intenção.
Um portanto para continuação de conversa: sendo um apátrida impossível (o bilhete de identidade crismou a nacionalidade imperativa) não serei sensível aos anátemas das nações. Nem às espúrias rivalidades entre nações que tantas vezes desaguam em ódio e sangrentas guerras. Eis o portanto que se impõe: como não sou xenófobo, haveria a mesma ofensa se eu tivesse escrito o e-mail em que alguns polícias luxemburgueses maltrataram a comunidade lusitana?
Faço a pergunta porque me incomodam os padrões duplos quando a cegueira do nacionalismo ofusca o discernimento. Nós por cá, aqueles que nos gabamos da sublime unção da suprema estética, desprezamos os emigrantes quando estão de visita à santa terrinha que os viu partir. Parodiamos com eles. Ficamos apoquentados com o risível novo riquismo, a entoação afrancesada do seu português, a lamentável estética com que se passeiam nas estradas e nas ruas, a música pimba inevitavelmente em gritaria vomitada pelas colunas hi-tech amplificadas pelas janelas abertas dos automóveis caracterizados, a boçalidade a jorros que não se restringe às fronteiras da masculinidade. E fazemos isto enquanto damos um gole na cicuta das generalizações.
Mude-se a agulha para o e-mail posto em circulação por polícias do Luxemburgo. Da transcrição que escutei na rádio, não havia apelo à violência. O que não é irrelevante, pois nos dias que correm a xenofobia é censurada por conduzir à violência gratuita contra os seus alvos. O que lá se lê é uma sátira aos emigrantes lusitanos que convivem com aqueles polícias. Já os vão conhecendo de ginjeira, os polícias. Quem sabe se até não frequentaram as célebres patuscadas em que se encharcam de vinho verde tinto servido do garrafão, à medida que ouvem aos berros um medley do mais kitsch da música pimba que faz furor entre as comunidades emigradas?
E disto fazemos uma tempestade num copo de água. Com um deputado da nação e outro ao Parlamento Europeu a protestarem a indignação, exigindo explicações diplomáticas. É que do e-mail ecoaram as abundantes sátiras que daqui dedicamos a esses emigrantes. Só se acontecer que só a nós seja reservado o direito de parodiar com os nossos que andam a trabalhar no estrangeiro. Quando o mesmo retrato é tirado pelos outros, impõe-se o pátrio acabrunhamento e tornar a aleivosia inadmissível. Com os pulmões tão cheios de ar como quando se entoa o hino.
Pelo meio, já não sei o que sobra da coerência. Mas o mal talvez seja meu, que já me esqueci do nacionalismo numa esquina do tempo. E, talvez, o omisso nacionalismo explique a ausente solidariedade com os emigrantes vilipendiados pelos outros.
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