15.6.10

E se a Bélgica acabasse já amanhã?


In http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/e/e6/Comunidades_lingü%C3%ADsticas_de_Bélgica.png
Estas histórias de países que estão à beira do precipício, quase a receber a extrema-unção, são histórias que em encantam. Pode parecer contraditório para um optimista do europeísmo (desiludido, contudo, com os últimos acontecimentos de absoluta batota dos líderes europeus). Como posso ser europeísta e ficar exultante quando um país se desintegra? Lá mais para o fim hei-de explicar como ambas as coisas não são contraditórias.
A Bélgica anda há algum tempo a ser a noiva prometida para o sacrifício no altar dos países como os conhecemos. No ano passado esteve sete meses sem governo. Quando muitos apóstolos da desgraça pressagiavam o pior dos fins para a Bélgica sem governo, eis que veio a surpresa: não foi o caos que espreitou em triunfante pose. Este caso foi seguido com atenção pelos anarquistas dos sete costados (fossem eles da mais conhecida variante de esquerda, fossem os menos popularizados anarquistas de direita). A ausência de governo não é fatal para a sobrevivência da sociedade. A anomia não terá paralisado a máquina do Estado, que também é enorme, lá como cá. Talvez os poderes dos burocratas sem rosto tenham sido reforçados. Passo por cima desse efeito nefasto. Mais importante foi o simbolismo da ausência de governo. Há países que continuam a funcionar sem governo (e muitos que funcionam mal por terem governo a mais). Afinal os anarquistas não são tão distópicos como os pintam.
Está documentado com abundância: a Bélgica é uma artificialidade. São duas comunidades (a flamenga e a valã) que se odeiam. Falam línguas diferentes. Uns são protestantes, os outros são católicos. Anteontem houve eleições gerais. Ganhou o partido independentista da Flandres. O nome do partido não esconde intenções: querem o desmantelamento progressivo da Bélgica. Os observadores interrogam-se se é desta que a Bélgica vai desaparecer do mapa. À interrogação juntam uma perplexidade com requintes de malvadez: logo agora, a uns dias da Bélgica assumir a presidência do Conselho de Ministros da União Europeia (a partir de 1 de Julho). Sublime ironia.
Não vejo por que nos alarmamos. Se os belgas são os primeiros a não quererem que persista o cimento do país artificial, por que haveremos de carpir as mágoas pelos outros quando nem eles o fazem? Sem contar que a história da Europa tem esta constante: a geografia que se foi refazendo, com fronteiras redesenhadas e países em recomposição. Não foi há muitos anos que o fim do império soviético deu origem a um cogumelo de novos países. Nessa altura, alguém (tirando as velhinhas carpideiras do comunismo senescente) sentiu as dores da desintegração dos países?
Que me digam que as dores de cabeça estão naqueles países que são assombrados pelo mesmo fantasma da artificialidade (Espanha, por exemplo), torna compreensível o histerismo com a desintegração da Bélgica. Agora lá vai uma provocação: tirando os espanhóis com tiques imperialistas, quem chorava lágrimas (a não ser que fossem de crocodilo) se a Catalunha, o País Basco, a Galiza e a Andaluzia alcançassem a independência? Pelo andar da carruagem – dir-me-ão – a Madeira também lá chegava (à independência). Suspeito que os madeirenses são os primeiros a não desejar tal infausto destino.
Ficou prometido no início: não vai a pulverização de países contra a maré da unificação da Europa? Unificar a Europa não compromete as suas muitas nacionalidades. E se num momento uma dessas nacionalidades consegue soerguer a cabeça e assinar a independência, a União Europeia continua tão União como dantes. Esta é a grande virtude da unificação europeia. Unificar sem atropelar as diversidades. Nem a ausência de governo na Bélgica há-de impedir a União de continuar a fazer aquilo que dela se espera. O que confirma a irrelevância dos países neste mundo em mudança.

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