11.6.10

(Não) dar parte de fraco


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Engolisse o orgulho – esse orgulho que não é nutriente de coisa alguma, a não ser o pasto movediço onde cresce uma fátua pesporrência. Engolisse orgulho e, ao mesmo tempo, os dedos se ungissem com uns gramas de humildade. Que não se espere que o sol se deite do lado contrário do firmamento. Mas as chuvas que temperam a tibieza da fornalha ainda primaveril haveriam de perder a sua acidez.
No íntimo. É o único e muito reservado lugar onde admite fracassos pessoais. Eles nunca transbordam as fronteiras do ser. Reprime-os. A sua coriácea aura não admite tergiversações. Podia lá dar parte de fraco! Seria falível aos olhos dos outros, os muitos que o seguem na sua peregrinação segura. O humilde perdão pedido por equívocos afinal tão humanos podia destruir a aura que adeja sobre os demais. Uma aura quase sobre-humana, um heroísmo só à mão de semear dos predestinados. Dos que não se atemorizam com nada e oferecem peito às balas.
O estatuto não se perde com garfadas nas fragilidades interiores, mesmo a jeito servidas às talhadas aos outros-abutres. As fragilidades escondem-se do olhar alheio. Tudo se mascara num logro onde nem tudo o que parece tem simetria com o que é. Os actos de humildade, os actos que sopram com a intensidade da fragilidade humana, são para os fracos de espírito. Tudo se encena no seu oposto para ninguém ajuizar a momentânea debilidade. Quando é preciso, aprimora-se o estado de negação. Refugia-se numa torre de marfim de onde contempla as fraquezas da espécie. Não são suas, essas fraquezas. O apogeu da alteridade é um corpo humano embebido num espírito superior.
Aconselha os que amolecem. Sem pestanejar, acredita que é guru numa coreografia caótica onde só os eleitos são chamados a perceber o sentido das coisas. Quando lhe falam de deus, inveja a impossibilidade da condição divina. Nunca o dissera a ninguém, mas nos dias em que fertiliza o aluvião do narcisismo diz para consigo que é deus. Aos outros faz ver que está num lugar intermédio entre eles e as entidades que se colocam no altar da deificação.
Há-de morrer. De morte súbita, demoradamente definhando numa doença terminal, ou num acidente. As angústias são alimentadas pelo devir fatal que o espera. Como aos demais que, como ele, comungam na mortal condição. Deita-se à noite e, enquanto o sono se demora, transita pela teimosa insónia admitindo que a humildade só o verga em vésperas de morte. Há quem advirta do arrependimento extemporâneo. Não recuar na prosápia encolhe o espaço para a redenção – uma qualquer redenção que uma qualquer entidade divina, que só então se revelará, tratará de anunciar.
Esta é a outra pedra angular do desassossego que esconde. A negação é até das entidades divinas que por aí concorrem. Como pode antecipar o temor que o assaltará na véspera do desenlace fatal se interioriza a ausência destas divindades? Este é o maior segredo que resguarda no peito. As chaves para lá chegar estão escondidas num baú esconso, por sua vez as chaves metidas em cofre reforçado com algorítmica chave de segurança. Entre as consumições interiores que a carapaça de duro oculta do exterior e a perseverança no estatuto infalível, há segredos que devem ser sempre segredos. Tanto que vivalma pode desconfiar que os segredos sequer existam.
Dar parte de fraco não é roteiro. É mister dos fracos de espírito, dos irremediáveis erráticos. É tanto o orgulho que o mantém de pé que chega a admitir que preferia o suicídio a cair nessa ralé dos fracos de espírito. Mesmo que o seja, por muito que o esconda, quando engole um garfo de tamanho industrial e teima na impossibilidade do erro pessoal. 

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