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As escolas, e os professores que por elas andam, estão todos enganados. Ensinam às criancinhas as regras da pontuação. Ensinam a ortografia numa entediante harmonia com a sintaxe. Já a tarefa era vultuosa e os petizes descobrem, com desprazer, o infortúnio de terem nascido numa terra que usa uma língua complicada. Acentos e mais acentos. As vírgulas que se encavalitam nas palavras que compõem uma frase. Às vezes, um ponto final é ponto e vírgula. Às vezes, não sabem se devem mudar de parágrafo ou se as frases devem continuar alinhadas por ali fora.
As crianças crescem. Aprendem cada vez pior a língua que falam. Crescem e algumas começam a mergulhar nos clássicos da literatura. Dizem que não há melhor treino para a destreza na utilização da língua materna. Ora esbarram nos clássicos que pertencem já a séculos distantes, boquiabertos diante do português arcaico; ora são conduzidos pelos professores às obras dos escritores contemporâneos. Em alguns casos ficam perplexos: não é que a escrita contemporânea atropela quase todas as convenções que andaram anos a fio a aprender na escola?
Ficam desorientados. Entre as cuidadosas convenções dos linguistas, que merecem tratos de polé, a língua de trapos dos escritores de antanho, e os escritores da modernidade que inventam a sua própria língua. Já para não contar com o destrate à língua pela forma da abreviada escrita em mensagens de telemóvel e emails. É – como dizê-lo? – esquizofrénico. Não admira que as gerações tenrinhas andem que nem baratas tontas, tão abundante o cardápio de variantes da língua materna que lhes é servido na escola.
Denunciar as suas fracas capacidades no uso da língua é o que se não deve fazer. Os iluminados da pedagogia experimental contrapõem que o amadurecimento convoca o enriquecimento de opções à disposição dos alunos. De uma assentada, fica explicada a esquizofrenia linguista que toma de assalto cabeças ainda imberbes. Vejamos o dilema na posição de um destes jovens: com tantas variantes da língua nativa, tantas regras gramaticais e os alçapões da ortografia, ainda vão esbarrar na escrita criativa dos hodiernos vultos da literatura. Andaram anos a aprender à força a colocar vírgulas e pontos finais no lugar certo das frases para depois lhes aparecer um professor encantado com um vulto da literatura moderna que dispensa as convenções da pontuação.
Aproveito para confirmar que não sou bota-de-elástico. A escrita criativa é credora de muitos dos avanços da literatura. As modas têm o perfume do efémero. O que, juntamente com o império do relativismo, destrói a utilidade das convenções gramaticais da língua. (Desenganem-se: gosto do relativismo, gosto que não haja certezas e que se destrua o lugar sagrado em que muitos gostam de colocar a “verdade” – assim mesmo, com direito a aspas.) O que sobra do amontoado que se ensina nas escolas? Uma singular inutilidade. Sem segundas intenções, fica a seguinte interrogação: fazem sentido as gramáticas, os dicionários com o lacre da academia das ciências e o prontuário da língua?
Talvez seja bota-de-elástico na pontuação na escrita. Gosto da estética narrativa das vírgulas, das frases curtas. Ora as frases só o podem ser, frases curtas ou longas, já não interessa, se vierem entrecortadas por pontos finais. Ponto final.
Para que não haja equívocos nem hipocrisia: este texto foi inspirado no decesso de Saramago. Não é à hora da morte que consigo fazer de conta que personagens repugnantes o deixaram de ser. O vulto literário ficará. Para os que gostarem o género. Descontando o folclore da apologia ideológica que os de sempre aproveitaram na hora em que o féretro era homenageado, na declinação do imperativo categórico da homenagem unanimista.
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