7.3.11

Compaixão


In http://gouveiajoao.files.wordpress.com/2010/10/ratos.jpg
Como diz o povinho: “de maneira” que comento a actualidade.
Ando para aqui atrapalhado com cambalhotas do mundo que desassossegam o entendimento. O ditador líbio, coitado, agora que está a ser acossado e o fio que o agarra ao poder se adelgaça, nota que quase todos os amigos de outrora partiram em debandada. Que cambada de ingratos – há-de pensar o tirano com os seus botões. Quando estava sossegado no poder, um cortejo de líderes mundiais e de serventes de segunda (ministros e outros que tais) desfilou por Tripoli, massajando o interminável ego do déspota. Agora todos os renegam. E querem passar uma esponja pela memória, como se não nos lembrássemos das comezainas e homenagens em que se desfizeram aos pés do ditador.
Mas o rol dos ingratos não se restringe à grande política mundial. Nos últimos dias têm aparecido grandes nomes da música popular (os que vendem milhões de discos por todo o mundo, sem que isso signifique qualidade do que fazem) a devolver astronómicas maquias pagas pelo tirano para os ditos artistas actuarem em privado para a sua corte. Vai daqui uma sugestão: os artistas do show business, mais os respectivos empresários, deviam frequentar um curso breve sobre o mundo contemporâneo. Para lhes ensinarem (na todavia duvidosa ética que comanda o mundo) quais são os Estados párias. Evitavam a vergonha por que passam. Da vergonha de serem ignorantes (versão simpática do episódio), ou de serem ingratos, quais ratos de porão que abandonam o navio onde se afunda o amigo (versão mais incómoda), não se livram.
Pelo meio, sou acossado por uma repulsiva comiseração pelo ditador megalómano.  E não é por simpatia, que sempre o deixei naquele canto das personalidades dos anátemas. É que não se faz isto aos amigos: abandoná-los à sua sorte quando os afinal falsos amigos dão conta que o “amigalhaço” está à beira do abismo. Nessa altura, todos descobrem que o “amigalhaço” não era gente recomendável. Como é feia a hipocrisia.
Outro exemplo: o – dizem – homem muito elegante que foi de Lisboa até Berlim prestar vassalagem à senhora da Europa (Merkel). Se ainda andássemos pelas catacumbas onde se cultivava a soberania à maneira antiga (o que não é o caso), dir-se-ia que ela tinha ido pelo cano do esgoto. Mas havia outras considerações a fazer que arranjavam explicação para a visita de cortesia (para dizer o mínimo) do primeiro-ministro à chanceler da Alemanha, só que este texto não quer nada com coisas sérias.
Este texto é sobre compaixão. Com o déspota da Líbia, que está, coitado, sem amigos. E com o aprendiz de primeiro-ministro que, ó grande golpe no seu tremendo narcisismo, foi convencido pelas recomendações dos aborrecidos economistas, metendo a viola no saco para dar explicações à senhora da Europa sobre a estupenda situação orçamental em que nos meteu. Aqui a pena é de personalidade. Confesso que estava à espera, antes da partida para Berlim ou à chegada ao aeroporto de Lisboa, que o grande timoneiro, o homem que mais parece um delegado comercial a vender apartamentos nos subúrbios, nos dissesse, com aquele convencimento de quem vive num mundo só por ele habitado, que tinha ido a Berlim ensinar ao governo alemão como se gerem as contas públicas. Mas alguém lhe deve ter dito que na Alemanha há quem fale português.
Como é ingrata, por estes dias, a tarefa de ter nas mãos o leme dos pátrios assuntos. Mas o grande líder, o homem da presciência inigualável, que se cuide. Não vá a senhora da Europa, sua tão grande amiga por enquanto, espetar um faca nas suas costas. Seria o golpe de misericórdia num corpo mortiço. Enfim.

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