30.3.11

A despeito do despeito


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(Disclaimer: um texto ficcional)
Que o que sobra em prosápia não acanhe a lucidez. Nem tomes a árvore pela floresta para a vista não embaciar. Não atires para palcos alheios as dores que são teus sobressaltos. Na tremenda confusão interior, ficarás nas ruínas do risível. E não olhes só para onde convém, que o tiro sai pelas nádegas da espingarda. Espingarda, se quiseres. Mas espingarda no vazio. Pode ser que o fogo raso não acabe por tombar sobre ti.
As adjacências que teimam em perdurar prolongam a agonia. Aprende que os dias são irrepetíveis. Salta do comboio enquanto é tempo. Salta. Mesmo que o comboio vá a pleno vapor, salta, que as dores são menores se deres com os ossos no chão. E não porfies na torpeza de usar inocentes como instrumentos dos caprichos que turvam a auto-estima. Na vida há curvas sinuosas que o leme não consegue derrotar. A ravina pode ser empinada, os socalcos dolorosos à medida que se atamancam as cambalhotas, mas lá em baixo sobra o lugar de onde tudo se refaz.
Os pesares não contam nada. Os pesares desfiam as preces inúteis, prolongam as teias empoladas que aparam as esporas do veneno. Não vás pelos pântanos onde se escondem os escorpiões pródigos na ferroada letal. Não mergulhes nas águas lamacentas de onde apenas retiras o insuportável odor a enxofre. Desprende-te dos sobressaltos que incendeiam a claridade, que a transformam numa baça nuvem que oculta a transparência. Às duas por três, confundes as estrofes resgatadas ao outrora. As palavras soam trocadas, umas na boca errada e as outras, as que deviam pertencer àquela boca, erradamente na boca certa. Podes reescrever o que for conveniente. Sabes? Estás só nessa empreitada.
Há um sarcófago que continua destapado. Por mais que sejam apostos os pregos, logo a seguir são boicotados por uma demência que ferve nas veias. Não sei se a cabeça explode por entre as lucubrações aturdidas, não sei se te salga o sangue de tanto despeito destilado, de tanta e fértil imaginação que desagua nas ilusões que adulteram o entendimento. Não sei. Já não há nada para saber. A despeito de tudo o resto, nas ruínas que são o que sobra, que a poeira não se torne o túmulo de alguém.
Aos jogos mentais, viro a cara. Os labirintos pertencem-te. Faz deles o que te aprouver. Fico fora desses insidiosos labirintos onde lobrigam serpentes que se enrolam na cauda e se alimentam do seu próprio desdém. Lá, onde as palavras se envolvem numa invisível cicuta que deixa atrás de si uma terra queimada, definitivamente infértil. O despeito é um túmulo às vezes irremediável. A menos que a ira que tudo consome por dentro seja temperada. O enigma disfarça-se pela desenvoltura com que te libertares dos estréns onde se ancora o labirinto. Terça as palavras em rimas que deixem de ser obtusas. Defuma as cinzas que prolongam o antanho para além do razoável. Os planos são sempre inclinados quando misturados algures num caldo fervente de delírios.
Esquecer é o remédio. Só que o esquecimento não quadra com despeitos. 

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